Duas Narrativas Fantásticas [***]







Fiodor Dostoieviski
Editora 34
128 Páginas




"Designadas pelo próprio autor como "narrativas fantásticas", as duas novelas aqui reunidas foram publicadas pela primeira vez nas páginas do Diário de um escritor, publicação mensal redigida por Dostoiévski entre 1876 e 1881. 
Em A dócil, um homem desesperado refaz, diante do cadáver da mulher, a história de seu relacionamento, tentando compreender passo a passo as razões que a levaram ao suicídio. Já em O sonho de um homem ridículo, o narrador, a ponto de acabar com a própria vida, adormece na poltrona diante do revólver carregado. Principia então um dos sonhos mais extraordinários da história da literatura, durante o qual Dostoiévski anuncia a possibilidade de uma vida utópica em outro planeta antes de seus habitantes serem contaminados pelo veneno da autoconsciência. 
Ambas as narrativas partilham da mesma "introspecção verrumante" que Boris Schnaiderman apontou no protagonista de Memórias do subsolo, livro com o qual estas obras mantêm grande afinidade. Tanto lá como aqui, o escritor russo submete a forma do monólogo a tal intensidade dramática, que o resultado ultrapassa as fronteiras daquilo que nos acostumamos a chamar de literatura."


Hípias Maior - Platão (série Estética)

“Qual o critério para reconheceres o que é belo do que é feio?”, pergunta Sócrates num diálogo com Hípias. Hípias não percebe, mas está diante de um demolidor irônico até a última potência possível. As artimanhas que Sócrates apresenta para laçar o sábio Hípias vão desde um mar de lisonjas para cegar de vaidade o pobre Hípias, que como um tolo cai na armadilha, até a própria “ignorância” exageradamente alegada do próprio Sócrates, que se apresenta como alguém vítima de um maldoso oponente. Este o teria humilhado em público e, por isso, Sócrates estaria pedindo socorro ao sábio Hípias. Mais adiante, Sócrates confessará que esse tal "maldoso" mora com o filósofo em sua casa. Tudo isso faz desse diálogo uma verdadeira joia literária, que deveria ser lida por todo mundo que ama literatura.

Uma vez mais estamos diante do problema do belo, que, como em Lísis (aqui), começa sendo associado a um ser-humano: “o belo é uma bela jovem”! Para que Hípias não perceba que está em um embate, Sócrates pede que ele imagine que está discutindo com o homem que teria humilhado a Sócrates e que, em determinado momento, terá essa conversa sobre o belo. Assim, pergunta Sócrates, como você responderia a ele? Evidentemente é um recurso usado pelo filósofo para que Hípias venha desarmado ao combate e, evidentemente, não cobre financeiramente pelo discurso, pois estaria apenas ajudando o envergonhado e ignorante Sócrates.

Sócrates diz que seu oponente não quer saber sobre as coisas belas, mas sobre o próprio belo que as caracteriza: o que é o belo? Se o belo é uma bela jovem, então não poderiam ser consideradas belas todas as outras coisas que não fossem a bela jovem como as éguas, as liras e as panelas? A beleza é apenas para os seres humanos e não para as coisas? Mas e a relatividade da beleza? Pois, como dizem, o mais belo macaco comparado com uma bela virgem é feio, assim como a mais bela virgem comparada aos deuses é feia!

Então o que é o belo que empresta a beleza às coisas belas? O ouro? E o grande escultor Fídias que usou marfim? Suas obras são feias? Hípias, enfim, responde que belo será o “mais indicado”, “o mais conveniente”. Sendo esse o critério, para a comida o melhor é a colher de pau do que a de ouro que danifica o sabor do alimento!

O que seria belo a todos? O que seria belo a todos os seres humanos, em todos os lugares e culturas? É possível? Hípias responde que o que há de mais belo, universalmente, “é ser rico, gozar de saúde, ser honrado pelos Helenos, chegar à velhice e, assim como sepultou condignamente os pais, ser sepultado elos filhos, por maneira bela e suntuosa”. Mas essa experiência nada tem de universal!

O problema com a conveniência é que ele tornaria as coisas belas ou com aparência de belas? Porque para tornar as coisas belas, o conveniente precisa ser belo, mas a beleza é algo e a conveniência é outro, portanto ao conveniente resta apenas dar aparência de belo e não é isso o que eles estão procurando.

Finalmente, Sócrates coloca que é belo o que é útil. Mesma tese já trabalhada em Lísis: belo é aquele que é capaz de fazer alguma coisa de útil, feio é o que é incapaz de fazer algo de útil. Contudo, pergunta Sócrates a Hípias, mas e se alguém for capaz de fazer algo de útil para o mal, por ser capaz de fazer assim, então, seria belo? Assim voltamos a Lísis, em que o belo é o útil para o bem (o belo moral) – kalos te aghatós. Mas se é belo o que é para o bem, então o belo é o pai do bem, mas o bem não pode ser a causa e o causador ao mesmo tempo, logo o bem e o belo são distintos: nem o belo é bom, nem o bom é belo!

E se denominássemos, indaga Sócrates, belo o que nos proporciona prazer, não qualquer prazer, mas o prazer que nos vem pelos olhos e pelos ouvidos? Evidentemente, em algum ponto desse caminho agora escolhido, Sócrates e Hípias terão que retornar. Seria o belo o prazer útil? Não qualquer prazer, mas aquele vindo pelos ouvidos e pela vista. Não só isso, mas o belo é o prazer útil para o bem, mas o bem é o critério para se identificar o belo? É o bem então o belo? Mas já vimos que isso não pode! Portanto, no fim do diálogo, Sócrates concorda com o provérbio que diz que o belo é difícil!

Assim como a filia discutida em Lísis, o belo se encerra sem uma definição: sabemos o que não é a amizade e o que não é o belo, mas o que sejam, enfim, não sabemos! Será Sócrates apenas um pavimentador da metafísica de Platão? Sinceramente, após a leitura destes dois diálogos, não é de todo improvável imaginar que Sócrates fosse apenas um personagem criado por Platão para preparar o mundo para a chegada da sua metafísica.

A Guerra do Paraguai [***]







Luiz Octavio de Lima
Editora Planeta
448 Páginas




"Um épico latino-americano de interesse universal. Maior confronto armado da história da América do Sul, a Guerra do Paraguai é uma página desbotada na memória do povo brasileiro. Passados quase 150 anos das últimas batalhas deste conflito sangrento que envolveu Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, o tema se apequenou nos livros didáticos e se restringiu às discussões acadêmicas. Neste livro, fruto de pesquisas históricas rigorosas, mas escrito com o ritmo de uma grande reportagem, o leitor poderá se transportar para o palco dos acontecimentos e acompanhar de perto a grande e trágica aventura que deixou marcas profundas no continente sul-americano."

É possível amar nossos inimigos? Lísis - Platão (série Estética)



                Embora minha leitura de Lísis busque o aspecto da construção da estética platônica, é impossível ficar impassível aos outros temas que são apresentados e desenvolvidos na obra.

                Um dos temas discutidos no livro e que me causou grande surpresa foi o tema do “amigo utilitário”. Há exatamente 9 anos, enquanto fazia o curso do CLM da Missão ALEM, mais precisamente nas aulas de antropologia, fui apresentado a esse tema. É a ideia de que somos amigos de quem tem algo a nos oferecer. Ficamos todos nós, alunos, escandalizados com a ideia de que outros só seriam também nossos amigos, enquanto tivéssemos algo a oferecer a eles.

                Quem são nossos amigos? Analisando de maneira fria e sinceramente, nossos amigos são aqueles que têm algo a nos oferecer. Sejam nossos progenitores, que garantem nossa sobrevivência; seja nossa namorada ou esposa, que nos garantem sentimentos e favores de atenção e sexo; sejam amigos, que nos contemplam com elogios ou críticas, ajudando assim na nossa formação e no encaixe social. Em outras palavras, não há o “amigo gratuito”.

Não é difícil olhar o oposto para se entender melhor o que se fala aqui. Você amaria uma esposa que prefere estar envolvida com outros homens do que com você? Você seria amigo de quem está planejando te roubar e denegrir o seu nome na sociedade? Você daria seu afeto a quem lhe ignora? Como disse, é preciso frieza e sinceridade para enfrentarmos a verdade óbvia dessas perguntas.

Quem pode ser chamado de amigo, quais são as causas da amizade, do que alguém é amigo são os temas da obra de Platão, que tem como principal personagem Sócrates. A “filia” (φιλíα) está na berlinda. A “filia” que possui em grego tantas acepções: gostar, amar, ser amigo, adorar, estimar, querer bem e, veja só, até beijar! Mas é neste diálogo que Platão trás a questão da relação entre o belo e o bem (a chamada kalocagatia: kalos te agátós). Lísis mesmo será descrito como belo e bom. Tudo que é um bem é belo? E tudo o que é belo é um bem? E é aqui que começa uma discussão que se estenderá numa série de outros livros platônicos: o que é belo? A beleza pela beleza? A beleza moral? A beleza moral conjugada com a física? A beleza útil? O objeto ou a pessoa que serve, que por servir, é bela? O que é belo depende do que o causa ou da sua finalidade? Ou que define a beleza é o meio, o seu caráter pedagógico? Enfim, são muitas as perguntas que Platão colocará à mesa em seus livros.

Retorno ao tema do “amigo utilitário”, pois 3 coisas podem ter ocorrido nos últimos anos comigo: 1) mudei da primeira leitura deste livra para cá (li esse diálogo há 18 anos); 2) atentei melhor aos argumentos de Platão, principalmente à luz da Palavra de Deus; e 3) abandonei a concepção negativista e pejorativa associada à palavra “útil”.

Como a gente muda! O meu cristianismo tomou uma nova direção nestes anos, eu amadureci, li mais e, evidentemente, vejo com novos olhos os argumentos de Platão. Nesta última leitura, convencido pela maneira como Platão trata a palavra “útil”, vi que não precisava vê-la carregada de imoralidade. Em outras palavras, dizer que alguém é “útil” para mim não é mais nenhum traço de psicopatia, mas é apenas descrever o óbvio da vida real: amamos aqueles que se empenham em oferecer de si mesmos o seu melhor a nós! Procuramos ser amigos daqueles que se comprometem em ser fiéis, leais, prestativos, sinceros, etc. Ou como Sócrates coloca: amamos a quem nos é familiar. Ou, segundo Tomás de Aquino, amamos quem ama as mesmas coisas que a gente ama e que rejeitas as mesmas coisas que rejeitamos! Ninguém quer ter como amigo um encosto, um sanguessuga, um aproveitador, um vampiro espiritual! Queremos perto de nós pessoas que se comprometam conosco. Nada mais humano e normal do que isso! Assim, aquilo que outrora me escandalizou nos outros e em mim mesmo, hoje já não escandaliza mais.

Contudo, como cristão, ecoou durante toda a leitura do livro o texto de Mateus 5: 43-45. É possível amar os inimigos? Em Lísis, para Sócrates, há uma contradição aqui, pois o inimigo não me é útil! Ele não me ama, ele não se comprometerá comigo, ele não andará uma légua a mais e nem me emprestará a sua capa em noites de frio. Enfim, o inimigo não é alguém com quem eu possa contar. Não há nada nele que me atraia. Ao contrário, o inimigo é sempre alguém suspeito, que não quero e não posso mantê-lo por perto, muitas vezes, até mesmo por uma questão de segurança por minha própria integridade física. Então, para Platão, amar o inimigo é uma aporia. “É impossível alguém ser inimigo do amigo e amigo do inimigo”, dirá Sócrates.  

O problema é que Jesus ordenou ao seu discípulo que devemos amar os nossos inimigos! E aqui fica patente que a “filia” socrática não dá conta desse universo cristão. Não cabe na lógica de Sócrates, mas cabe no ensino de Jesus! E a explicação só pode ser encontrada fora de mim e fora do outro, pois não há nem semelhança e nem familiaridade minha com meu inimigo. Daí Jesus usar outra palavra: ágape! Onde a filia não cobre, não paga a dívida, não vê semelhança e nem utilidade, o ágape se instaura, se manifesta, revela-se.

Jesus me é familiar, é-me próprio, fez-se semelhante a mim, que era inimigo dEle. Por isso, eu farei o que é próprio (familiar) a Jesus: morrer por quem não morreria por mim! Não por causa do outro, mas por causa de Jesus. A resposta a Sócrates, portanto, não está na lógica da erística, que tende à aporia. A resposta a Sócrates está na Cruz de Cristo num amor que chama de amigo a quem é inimigo e o trás para dentro, tornando o inútil em irmão, o inimigo em amigo, o abominável em amável, o filho da Ira em filho de Deus! Ágape é uma palavra que não aparece em Lísis. 

Para conhecer minha Bibliotheca de Semiótica, clique aqui!
Após a leitura, classificarei os livros assim:
Péssimo [0] Ruim [*] Regular [**] Bom [***] Muito Bom [****] Excelente [*****]