Sou motivado por uma paixão, que é responder a mais fascinante de todas as perguntas: o que faz com que qualquer língua seja uma linguagem, qualquer que seja a língua? Mas Hjelmslev não para por aí a sua pergunta: e o que é que faz com que determinada língua permaneça idêntica a si própria através das suas mais diversas manifestações?
Evidentemente, para compreendermos o papel da semiótica numa cultura humana e na relação com a semântica, é preciso revisitar o que foi construído na história do estudo dessa ciência dos símbolos. É preciso que dominemos três conceitos que são importantíssimos na história da filosofia, que são os conceitos de forma, substância e matéria. Destes três, dois já foram abordados nos artigos platônicos anteriores, mas, cedo ou tarde, precisaremos revisitar também Aristóteles para fecharmos essa tríade de conceitos.
Enquanto ainda não nos aproximamos de Aristóteles, apresento um dos livros que mais marcaram a minha trajetória e o meu pensamento. O livro é “Quase a mesma coisa”, de Umberto Eco, que é um livro fascinante que trata de tradução.
Há uns sete, oito anos que comecei a escrever sobre a experiência da tradução. Coincide com a data em que li pela primeira vez esse livro de Umberto Eco. Escrevi, principalmente, sobre a experiência da tradução bíblica do hebraico e do grego para a nossa língua portuguesa. Em artigos sempre informais (não acadêmicos), avaliei a versão da NTLH, critiquei a ênfase equivocada num imperativo inexistente sobre o “ide” de Jesus, entre outras tantas incursões nessa seara. Mas já escrevi também sobre os textos ideológicos de nossas bíblias brasileiras, ideologicamente eclesiásticos (a Bíblia de Jerusalém, por exemplo) e políticos (a Bíblia Pastoral Católica, por exemplo). Além disso, alguns desses artigos escritos só foram compartilhados com um seleto grupo de mantenedores que tem me acompanhado nestes últimos 10 anos, pois são artigos tratando das minhas experiências específicas sobre tradução do Texto bíblico para uma língua indígena e também avaliações que tenho feito sobre a tradução que outros tem feito da Bíblia para outras línguas indígenas.
Aqui mesmo, nos artigos anteriores das resenhas que tenho feito aqui para a Bibliotheca, volta e meia, vejo-me trazendo alguns casos que tenho colhido de experiências de tradução missionária. E, por todo este tempo, pude encontrar tanto experiências sérias e reverentes, como também, infelizmente, casos escabrosos, como, por exemplo, aquela primeira versão da Bíblia da Linguagem de Hoje feita sob a tutela da Sociedade Bíblica do Brasil. Não que a situação tenha melhorado com a versão nova, mas, ao menos, não permaneceu tão escandalosa. Ainda assim, há grupos que trabalham com tradução bíblica no mundo que estão fazendo um imenso desserviço à causa do Evangelho. Grupos que, no afã de uma agenda humana que estabeleceu que todos os grupos étnicos deveriam ter a presença de um tradutor bíblico até 2025, estão dispostos a sacrificar a seriedade e responsabilidade necessárias para a qualidade final do texto bíblico.
Eu também sei que, por trás desse afã, na verdade, há também uma teologia equivocada, mas isso já seria assunto para outro artigo.
O fato é que mais do que dicionários, os tradutores precisam de enciclopédias (é o que, há muitos anos, eu aprendi com Umberto Eco)! Não podemos parar de estudar e a base deveria ser um profundo estudo das possibilidades da sua própria língua! Todavia, sabemos que só a língua não basta, pois há a cultura. Só como exemplo do que estou dizendo aqui, neste domingo, pude acompanhar uma tradução feita do português para o inglês, entretanto, nenhuma das duas pessoas envolvidas tinha essas línguas como suas línguas maternas: era uma indígena falando em português e sendo traduzida por uma brasileira que, mesmo sendo professora de inglês, ressaltou que aquela era uma 2ª língua para ela. A professora tomava esse cuidado, pois estava traduzindo a fala da indígena para um grupo de americanos. Mas, como disse, só a língua não basta, pois o caso que a indígena estava contando (em um português muito escasso) uma questão cultural desconhecida da tradutora. A dificuldade, portanto, foi enorme e o ponto central da mensagem não foi traduzido, porque não foi dito pela indígena, embora estivesse inferido. Mas inferências no discurso só são percebidas por quem possui um conhecimento da cultura do falante.
Deus não ama as "línguas", Ele ama pessoas. Deus não ama as "culturas", Ele ama pessoas. Embora o que eu acabe de afirmar pareça ser algo óbvio, a verdade é que no meio missionário cristão há certa idolatria da língua e da cultura, que tende a tornar necessário o que é dispensável na hora de traduzir a Bíblia. Graças a Deus pela sociolinguística que, como ciência, é capaz de avaliar se determinado grupo étnico realmente precisa ou não de uma tradução bíblica ou se seria melhor oferecer a esse grupo uma tradução numa língua próxima ou majoritária, para, posteriormente, o próprio grupo decidir se quer ou não uma tradução na sua própria língua.
Como sempre, além de um artigo, faço um resumo do livro em questão. Entretanto, pela imensa riqueza do “Quase a mesma coisa”, é muito provável que outros artigos surjam a partir desse livro novamente. Provável que, mais adiante, eu retorne e apresente resumos mais detalhados de determinados capítulos que interessam mais ao tema da nossa Bibliotheca. Ainda assim, posso afirmar que, mesmo que a área de tradução não lhe desperte o menor interesse, é impossível não se apaixonar pela riqueza intelectual e cultural desse livro.
Para acessar a resenha completa da obra, clique aqui. O blog "Bibliotheca de Semiótica" pretende ser um banco de resenhas para interessados e missionários que trabalham com outras culturas. Assim, é característica da "Bibliotheca" que, durante os resumos dos livros, eu faça comentários sobre as ideias do autor, concordando ou refutando, para que o leitor possa encontrar uma crítica e auxílio para a formação do seu próprio pensamento. Boa leitura!
Para acessar a resenha completa da obra, clique aqui. O blog "Bibliotheca de Semiótica" pretende ser um banco de resenhas para interessados e missionários que trabalham com outras culturas. Assim, é característica da "Bibliotheca" que, durante os resumos dos livros, eu faça comentários sobre as ideias do autor, concordando ou refutando, para que o leitor possa encontrar uma crítica e auxílio para a formação do seu próprio pensamento. Boa leitura!
Um comentário:
Sobre o que eu escrevi neste artigo, saiu uma nota da Missão ALEM: http://wycliffe.org.br/Nota_de_Esclarecimento_ALEM_14.03.16.pdf
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