A Cidadela [***]








A. J. Cronin
Editora Best Seller
532 Páginas


"Romance que consagrou Cronin no mundo literário. A cidadela marcou época ao ser transformado em filme por King Vidor. O escocês Archibald Joseph Cronin era médico e membro do Royal College of Physicians. respeitada associação da classe médica no Reino Unido. O autor descreve as condições de trabalho do início do século XX e relata de um modo estarrecedor as dificuldades e tragédias ocorridas nas minas de carvão inglesas. O protagonista é o jovem médico Andrew Manson. que inicia sua prática profissional numa pequena aldeia do País de Gales. Drineffy. Dr. Manson dedica-se de forma intensa aos seus doentes. pondo em prática todo o idealismo de um jovem médico. Casa-se com a professora Christine Barlow. e mais tarde o casal parte para Londres. Na cidade grande. Andrew entra em contato com a classe médica conceituada que atende exclusivamente aos mais ricos. O texto de Cronin evidencia o drama das escolhas éticas na prática da medicina. Um tema ainda muito atual: o confronto entre integridade profissional e as tentações materialistas."

2 comentários:

Jorge Fernandes Isah disse...

A primeira vez que ouvi falar de A. J. Cronin foi na minha adolescência (talvez eu tivesse entre 13 e 14 anos), no final dos anos 70, em uma série de T.V. que eu simplesmente adorava, “Os Waltons”. Havia um personagem, John “Boy”, vivido pelo ótimo, e nem sempre compreendido, “Richard Thomas”, com o qual eu me identificava grandemente, pelo mesmo desejo que ele tinha de se tornar em um escritor de ficção. Num dado momento em que ele havia se decidido a sair da fazenda onde morava, no interior dos EUA, para tentar a carreira jornalística em uma cidade grande (não me lembro agora qual era a cidade; afinal, se passaram quase 40 anos), ele citou A. J. Cronin, não somente por admirá-lo com autor, mas por desejar ser como ele, ao menos, escrever como ele. Nessa época, eu me aventurava , engatinhando, à literatura menos adolescente e mais adulta: já lia Dostoievski, Sartre, Machado de Assis, Gide, Hemingway, sem entender muito aquele universo, mas desejando vive-lo por meio dos livros. Não havia abandonado de todo Dumas, Verne e Twain (devo ter lido Tom Sawyer umas 15 vezes, no mínimo), mas havia uma transição natural entre estes e aqueles autores.

Pois bem, passados quase 40 anos, somente agora pude ler A. J. Cronin e o seu mais famoso romance, “A Cidadela”. E o que dizer dele? Primeiro, gostei muito. Não é um romance genial, o que poucos são, mas é muito, muito bom. O estilo de Cronin é envolvente, daqueles em que você é fisgado já no início, pela disputa entre o bem e o mal, o moral e o imoral, o ético e o antiético, mas sobretudo por uma linguagem ao mesmo tempo simples e muito bem elaborada. Vá lá, alguém pode dizer que o romance é uma colcha de clichês, e de que a vida não é dicotômica como muitos autores defendem em suas obras. Mas “A Cidadela” está longe, muito longe, de ser uma teia de chavões ou estereótipos. Os personagens são reais, vívidos, com suas incongruências, lutas, dúvidas, certezas, idealismos e convicções. Cronin não descreveu um mundo em preto e branco, sem tons cinzas, pelo contrário, há nevoeiros, clarões, trevas e todos os elementos necessários para fazê-lo um grande romance, como de fato é.

O pano de fundo é a medicina, seus valores científicos ou não, dogmáticos ou não, ideológicos ou não, éticos ou não, morais ou não. É uma crítica feroz à medicina que vive, se sustenta e fomenta o mal, a doença, a dependência existencial do homem aos “senhores” de jalecos brancos, e que muitas vezes sequer sabem da existência de uma verdadeira medicina, aquela que se pode chamar de “medicina do bem ou da saúde”. Há críticas ao academicismo, à indústria dos diplomas, à medicina como um negócio qualquer, vulgar, cobiçoso, pelo desejo imoderado de fama e fortuna. Os conflitos são muitos entre médicos, pacientes, associações médicas, tribunais, e um esquema ou estratégia ou sistema que tornam os médicos em meros prescritores de remédios (atendendo os anseios da indústria farmacêutica, às comissões médicas, e a obrigatoriedade de se manter o paciente incurado, e recluso à servidão clínica); onde o bem quase nunca é um desejo, e o mal uma necessidade.

[Continua...]

Jorge Fernandes Isah disse...

[...]

Cronin, ele mesmo um médico formado, descreve com maestria como o idealismo profissional do recém-formado Andrew Manson, com seus títulos e honrarias, se transforma, rebaixando o humanismo em exploração e farsa, num farsante, abandonando o juramento de Hipócrates para se tornar em um mesquinho acumulador de dinheiro, por meio da trapaça e vigarice. Como apóstolo Paulo disse: “o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males” (1Tm 6.10). Muitos acham que o dinheiro é o mal supremo, mas não é. Em si mesmo, o dinheiro é algo inanimado, sem vontade e poder de decisão, não podendo ser o mal, a priori. Entretanto, o amor a ele, possível naquele que deseja e toma decisões, o é! Por isso, é preciso que Andrew perca quase tudo para voltar ao que era, e fazer o caminho de volta, começar de novo.

Ao entregar-se a si mesmo, aos seus desejos mais sórdidos, sem que a consciência cauterizada o acordasse, ele certificava-se de que as escolhas só seriam realmente boas se a razão delas fosse, exclusivamente, o seu bem-estar financeiro e a sua projeção profissional, na Londres da década de 20. Não havia lugar para princípios morais, éticos, humanistas. Apenas o desejo de enriquecer de qualquer modo, à custa até mesmo do sofrimento e da dor alheia.

Pois, é com maestria que Cronin descreve a perda do caminho, o enveredar-se nos desvios, e a retomada ao anseio original de Andrew, em que sua alma se viu morta por causa da sua cobiça e inveja, e foi renovada pelo amor à vida, e o sentido primeiro de servir ao invés de ser servido. Há uma nítida mensagem cristã por trás de toda a trama, contrapondo-se ao ceticismo do personagem principal, um obstinado antirreligioso, que, na sua imoralidade, imagina-se moral pela completa ausência de moralidade e religiosidade. Ou seja, a justificação dos seus atos antiéticos e imorais encontra respaldo na negação da ética e da moral. Para se autojustificar, não pode haver fundamentos para a justiça, quando a injustiça é o desejo a se realizar.

O relativismo do século XX, em suas mais nefastas proposições, tornam irresponsáveis aqueles que deveriam, de alguma maneira, como ministros de Deus (juízes, governantes, médicos, professores, pais, etc), serem os guardiões da vida e não os proponentes da morte.
Cronin revela o dilema que existe no homem desde o Éden, a escolha da vontade, e seus desdobramentos na vida daquele que escolhe, mas também daqueles mais próximos.

É um livro no qual o autor poderia se perder completamente, fazendo-o um pastiche de uma denúncia, um panfleto inócuo, ou uma simples “rede de intrigas”, como muitos outros livros foram escritos e o são em profusão, na atualidade. Mas Cronin soube leva-lo à quase perfeição, senão de uma sinfonia, ao menos, de uma fuga.

Leitura recomendada.

Após a leitura, classificarei os livros assim:
Péssimo [0] Ruim [*] Regular [**] Bom [***] Muito Bom [****] Excelente [*****]