“Qual o critério
para reconheceres o que é belo do que é feio?”, pergunta Sócrates num diálogo
com Hípias. Hípias não percebe, mas está diante de um demolidor irônico até a
última potência possível. As artimanhas que Sócrates apresenta para laçar o
sábio Hípias vão desde um mar de lisonjas para cegar de vaidade o pobre Hípias,
que como um tolo cai na armadilha, até a própria “ignorância” exageradamente alegada do próprio Sócrates, que se apresenta como alguém vítima de um
maldoso oponente. Este o teria humilhado em público e, por isso, Sócrates
estaria pedindo socorro ao sábio Hípias. Mais adiante, Sócrates confessará que esse tal "maldoso" mora com o filósofo em sua casa. Tudo isso faz desse diálogo uma
verdadeira joia literária, que deveria ser lida por todo mundo que ama
literatura.
Uma vez mais
estamos diante do problema do belo, que, como em Lísis (aqui), começa sendo associado
a um ser-humano: “o belo é uma bela jovem”! Para que Hípias não perceba que
está em um embate, Sócrates pede que ele imagine que está discutindo com o
homem que teria humilhado a Sócrates e que, em determinado momento, terá essa conversa sobre o belo. Assim, pergunta Sócrates, como você responderia a
ele? Evidentemente é um recurso usado pelo filósofo para que Hípias venha
desarmado ao combate e, evidentemente, não cobre financeiramente pelo discurso,
pois estaria apenas ajudando o envergonhado e ignorante Sócrates.
Sócrates diz que
seu oponente não quer saber sobre as coisas belas, mas sobre o próprio belo que
as caracteriza: o que é o belo? Se o belo é uma bela jovem, então não poderiam
ser consideradas belas todas as outras coisas que não fossem a bela jovem como
as éguas, as liras e as panelas? A beleza é apenas para os seres humanos e não
para as coisas? Mas e a relatividade da beleza? Pois, como dizem, o mais belo
macaco comparado com uma bela virgem é feio, assim como a mais bela virgem
comparada aos deuses é feia!
Então o que é o
belo que empresta a beleza às coisas belas? O ouro? E o grande escultor Fídias
que usou marfim? Suas obras são feias? Hípias, enfim, responde que belo será o
“mais indicado”, “o mais conveniente”. Sendo esse o critério, para a comida o
melhor é a colher de pau do que a de ouro que danifica o sabor do alimento!
O que seria belo
a todos? O que seria belo a todos os seres humanos, em todos os lugares e
culturas? É possível? Hípias responde que o que há de mais belo,
universalmente, “é ser rico, gozar de saúde, ser honrado pelos Helenos, chegar
à velhice e, assim como sepultou condignamente os pais, ser sepultado elos
filhos, por maneira bela e suntuosa”. Mas essa experiência nada tem de
universal!
O problema com a
conveniência é que ele tornaria as coisas belas ou com aparência de belas?
Porque para tornar as coisas belas, o conveniente precisa ser belo, mas a
beleza é algo e a conveniência é outro, portanto ao conveniente resta apenas
dar aparência de belo e não é isso o que eles estão procurando.
Finalmente,
Sócrates coloca que é belo o que é útil. Mesma tese já trabalhada em Lísis:
belo é aquele que é capaz de fazer alguma coisa de útil, feio é o que é incapaz
de fazer algo de útil. Contudo, pergunta Sócrates a Hípias, mas e se alguém for
capaz de fazer algo de útil para o mal, por ser capaz de fazer assim, então,
seria belo? Assim voltamos a Lísis, em que o belo é o útil para o bem (o belo
moral) – kalos te aghatós. Mas se é belo o que é para o bem, então o belo é o
pai do bem, mas o bem não pode ser a causa e o causador ao mesmo tempo, logo o
bem e o belo são distintos: nem o belo é bom, nem o bom é belo!
E se
denominássemos, indaga Sócrates, belo o que nos proporciona prazer, não
qualquer prazer, mas o prazer que nos vem pelos olhos e pelos ouvidos? Evidentemente, em algum ponto desse caminho agora escolhido, Sócrates e Hípias
terão que retornar. Seria o belo o prazer útil? Não qualquer prazer, mas aquele
vindo pelos ouvidos e pela vista. Não só isso, mas o belo é o prazer útil para
o bem, mas o bem é o critério para se identificar o belo? É o bem então o belo?
Mas já vimos que isso não pode! Portanto, no fim do diálogo, Sócrates concorda
com o provérbio que diz que o belo é difícil!
Assim como a
filia discutida em Lísis, o belo se encerra sem uma definição: sabemos o que não é a amizade e o
que não é o belo, mas o que sejam, enfim, não sabemos! Será Sócrates apenas um
pavimentador da metafísica de Platão? Sinceramente, após a leitura destes dois diálogos, não é de todo improvável imaginar que Sócrates fosse apenas um personagem criado por Platão para preparar
o mundo para a chegada da sua metafísica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário