Judas, o Obscuro (****)









Thomas Hardy
Editora Abril
464 Páginas




"Um livro que retrata uma época onde a ascensão social era quase impossível, a não ser por golpes de sorte. Judas passa sua juventude estudando e sonhando em sair de seu povoado para ir para Christminster City, local que acredita concentrar grandes estudiosos. Sem recursos, sem ajuda, sem guia, sem escola e sem apoio. Mas Judas é obstinado e estuda sozinho, guarda tudo que ganha para comprar livros e os lê e relê sozinho. Aprende outras línguas (sozinho). O roteiro de uma história como essa geralmente mostra o protagonista conseguindo superar as adversidades e ser reconhecido pelo seu esforço e talento. Aqui temos uma realidade mais dura e mais próxima do mundo no final do século XIX. Judas acaba se envolvendo com uma mulher somente interessada em arranjar um marido e não em compartilhar de seus sonhos (grande erro de muitos casamentos, aliás). E é esorraçado em todas as suas tentativas de ser admitido em universidades. Decepções seguidas e críveis, que tornam o livro pesado, sofrido. Li com o coração oprimido pelo sentimento de impotência contra o mundo. Judas se afasta de tudo que ama em busca de tudo que sonha"

2 comentários:

Jorge Isah disse...

Judas é um tipo literário muito próximo de Jó, o personagem bíblico, em suas agruras, aflições e dor. Se ao passo em que Jó sofre exatamente por sua fidelidade a Deus, e pelo desejo sincero de retidão e justiça (o que acaba por despertar a maldade objetiva de Satanás), Judas deseja apenas se ver livre das amarras sociais, numa espécie de autonomismo e independência, acreditando que suas decisões cabem apenas e exclusivamente a si mesmo, sem se importar, ou vislumbrar, com as consequências dos seus atos. A liberdade de Judas é pueril e enganadora. E arrasta-o para dentro do “Mal”.
O livro escrito por Thomas Hardy (um entusiasta apaixonado pelas ideias de Darwin) foi escrito em 1895, e carregado do naturalismo em voga, que não deixou de influenciar a literatura. De tal forma que Judas, por mais que tente, ao seu jeito, fugir do destino que lhe é traçado, sucumbe à sua inexorabilidade.
Como não sou de fazer resumo dos livros, também não o farei neste. Apontarei, contudo, o que mais me chamou a atenção, sem fazer spoilers, e sem desestimular o futuro leitor:
1) Judas tenta “mudar” o seu destino, algo que os naturalistas, e, em especial Hardy, não crê possível. Para ele, Judas será o que é, nascido um pária, morrerá como tal.
2) Ciente do que lhe espera, Judas apela para um autonomismo impossível, como se pudesse viver no mundo alheio ao mundo, sem que seus atos trouxessem consequências para si e seus queridos. Especialmente, pouco a pouco, no decorrer da história, parte para a negação de Deus, fazendo do Cristianismo o “bode expiatório” do seu sofrimento. Em uma sociedade cristã, a culpa de todas as convenções e males se deve portanto ao Cristianismo, num apelo transloucado à razão, como sendo-a santa, pura e perfeita, de maneira que, se todos os homens a aplicassem por completo, negando suas crenças e fé, todos seriam felizes. Acaba-se por criar e defender um dualismo “fé x razão” no enredo, o que é, no mínimo, reducionista.
3) Hardy não escreveu uma única linha em que não destilasse a sua aversão ao Cristianismo, se não explicitamente (como em muitos diálogos e pensamentos), deixou-os subliminarmente evocados em ações e comportamentos. Porém, o Cristianismo descrito pelo autor é o que podemos chamar de “cristianismo secular” ou “nominal”, onde a aparência cristã é utilizada para justificar o farisaísmo e a hipocrisia do homem. Veja bem, farisaísmo e hipocrisia não são, nem de longe, aspectos do verdadeiro Cristianismo, mas a “máscara” daqueles que o próprio Senhor Jesus denunciou a seu tempo. Talvez, por isso mesmo, o autor escolheu o nome “Judas” para o seu protagonista que, mesmo vivendo por mais de três ano na companhia do Cristo, não se furtou a traí-lo.(... continua)

Jorge Isah disse...

(...)

4) Ao fugir das convenções e de aspectos morais que “regulavam” o convívio social, se viu pagando um preço alto, vivendo como um “cigano” juntamente com a sua família. O capricho de não querer se enquadrar ao escopo da sociedade, colocou-o na situação mais miserável que o enquadramento social lhe destinaria. Em sua rebeldia juvenil e ingênua, acreditava possível passar ileso, sem traumas, quebrando regras. Judas acredita no inimigo a destruir-lhe a felicidade: a sociedade; enquanto ele mesmo acaba por cavar para si, e os seus, um caminho para a ruina. Este é um aspecto.
5) Outro, antecedente ou derivado, é de que não se pode negar haver nele, e em sua esposa, Sue, o orgulho e a presunção de, ao não se curvarem aos hábitos da sua época, serem superiores aos seus concidadãos. A prova estava nas inúmeras vezes em que exaltavam suas inteligências, raciocínios e um apelo à razão como a essência de todas as virtudes.
6) Nem mesmo o sacrifício pessoal, como o do prof. Richard, parece um ato isento de soberba, de autoexaltação obstinada, dominada pela “pureza” racional.
7) Entretanto, não há como não se compadecer da “má-sorte” com que os rumos das suas vidas tomaram. Ao ponto em que, sem qualquer esperança, sobram-lhes a loucura e o definhamento.
Judas, o obscuro, é um livro pessimista, áspero, quase inóspito. Mesmo nos momentos mais ternos e belos a angústia, dúvidas e desespero estão entranhados nas palavras, sentimentos e reações dos personagens. Não é um livro fácil de se ler, pois os lampejos de esperança são quase imediatamente dizimados por uma realidade sufocante e cruel, pela teimosia de não mudar ou ceder.
Entretanto, é possível encontrar momentos de ternura, elegância, acabando por tornar verossímil os personagens e o enredo como um todo. A linguagem é simples, sem rebuscamentos. A narrativa parece se arrastar um pouco, especialmente na primeira metade do livro. Contudo, em sua bissecção final, ela flui sem delongas.
Judas, o obscuro é um bom livro? Sim, sem dúvidas. Para estar no rol dos melhores de todos os tempos, como comumente é relacionado entre as grandes listas? Tenho dúvidas. Talvez eu precise ruminar ainda um bom tempo a história, e, quem sabe, fazer um nova leitura, no futuro. Certo é que, tirando a defesa “intransigente” do racionalismo e a “aversão” ao Cristianismo (criando um estereótipo), o livro se sai bem.

Após a leitura, classificarei os livros assim:
Péssimo [0] Ruim [*] Regular [**] Bom [***] Muito Bom [****] Excelente [*****]