Há muitos filmes tratando do tema
do Holocausto. Há uns filmes que eu detesto, como, por exemplo, “A vida é
bela”. A justificativa do filme não me convenceu. Não gosto de nada que me
coloque fora da realidade, mesmo que sob a desculpa de uma certa ludicidade do
universo infantil. Não gosto de filmes que turvam a realidade ao mesmo tempo
que tratam da própria realidade. Valeria a pena, como exercício didático do que
estou dizendo aqui, assistir ao genial “Trem da vida”, que transborda todas as
qualidades que faltam ao filminho do italiano Roberto Benigni. Aliás, dizem que
o filme do italiano é um plágio descarado, um verdadeiro roubo de roteiro adaptado
desse fascinante filme francês “O trem da vida”.
Polêmicas à parte, ou melhor,
talvez insistindo nelas, devo confessar que, embora veja muitas qualidades no
filme de Spielberg - A Lista de Schindler – este também não me agradou por
recorrer ao lugar-comum do “vilão alemão enlouquecido”. O tema do alemão louco
que teria posto em prática o assassinato de mais de 6 milhões de judeus é uma
imagem que já está impregnada em nossa psique pela recorrente utilização dessa
caricatura em tantos filmes, séries, comédias, etc. Todavia, ao ler o
impressionante “Origens do Totalitarismo” e o revelador “Eichmann em
Jerusalém”, ambos da filósofa judia Hannah Arendt, precisamos certamente
desconstruir os mitos que a propaganda mundial fez-nos crer.
A ousada tese de Arendt nos dois
livros é: “O fato de ter sido ou estar sendo vítima da injustiça e da crueldade
não elimina a sua co-responsabilidade”. É! É isso mesmo o que você vai
encontrar nos dois livros – a responsabilidade da vítima (no caso, o judeu)
naquilo que fizeram contra ela. A crença do judeu num “anti-semitismo eterno” é
um dos argumentos que Arendt expõe e que era compartilhado pelos judeus ao lado
dos seus próprios algozes. O anti-semitismo foi encarnado como um destino
inevitável pelo judeu, defende Arendt. Para ela, o próprio judeu dirigiu-se aos
campos de concentração sob a forma de um cordeiro seguindo ao matadouro, porque
acreditava nesse seu destino eterno. É a teoria do bode expiatório que, segundo
a filósofa judia, “acentua a absoluta inocência das vítimas do terror moderno”.
Por que os judeus e não outros? Tudo será justificado sobre as bases do
anti-semitismo eterno. Este é o argumento usado tanto pelos algozes como pelos
próprios judeus.
Em “Eichmann em Jerusalém”, além
da denúncia de que os próprios judeus entregaram seus pares ao Holocausto e que
eles, assumindo o papel histórico de bode expiatório, não se revoltaram contra
os poucos guardas que empurravam milhares aos trens de carga, Hannah Arendt
desmistifica também o mito do “alemão louco”, aquele ensandecido e fora de sua
razão, o monstro germânico que engendrou o Holocausto para saciar o seu sadismo
e mesquinhes. Esta imagem cai por terra. A filósofa judia olha para dois pontos
fundamentais: primeiro, o homem que participou da máquina assassina que levou
todo um povo à morte é um ser-humano normal, um simples operário do Estado,
alguém que estava cumprindo ordens, um funcionário público – alguém que lançou
sobre o Estado a sua responsabilidade pessoal de refletir e de sentir: a moral
humana foi trocada pela moral do Estado. Aqui, quero explicitar a lição que
aprendi ao deparar-me com isso que ela chama de a banalidade do mal: há uma
esfera da existência humana em que Deus não permitiu – e nem permite – que nos
“refugiemos” nEle – a esfera de nossa própria responsabilidade! Segundo ponto
observado por Arendt em seu livro, desmitifica outra estupidez geral perpetrada
pela mídia e livros de história: o Holocausto vendido como simplesmente um
crime alemão! A observação de Hannah por todo o processo de julgamento de
Eichmann expõe a verdade que levou ao veredito óbvio, populista, cheio de
irregularidades e que findou por esconder os verdadeiros criminosos: o
Holocausto foi um crime Europeu. Ninguém defendeu os judeus – nem a esquerda
europeia! Todos os países da Europa “fecharam seus olhos” e enviaram à Alemanha
e a outros campos criados pelos nazistas os seus próprios judeus. Todos
participaram. Todos assassinaram. O criminoso “alemão louco” não ajuda em nada
a causa judaica, apenas esconde o mal que habita dentro de toda raça humana. O
“alemão louco” é uma caricatura, um mito, o vilão criado para que eu não tenha
que assumir a minha culpa neste processo, mas fica o alerta: “cada crime
precisa de um criminoso de carne e osso, do contrário negamos a responsabilidade
humana”!
Enfim, são muitos temas
surpreendentes levantados por Hannah em seus dois livros, contudo um tema
também me instigou por revelar o que há por trás de “nossas boas ações”: os
nazistas estavam sendo julgados porque assassinaram seres humanos ou porque
destruíram uma cultura? Ora, os ciganos também foram devastados, mas não vemos
tamanha comoção em relação a este grupo. Esta lógica macabra é a mesma que
preserva culturas indígenas que assassinam crianças recém-nascidas em nome de
alguma crença cultural e é também a mesma lógica que rege o aborto – a cultura
feminista acima da dignidade da vida humana. Quando o ser humano é sacrificado
no altar da cultura, então estamos diante de uma nova religião, de um novo deus
e de uma terrível idolatria. Para Hannah Arendt, a comoção mundial ao
Holocausto judeu se deve ao fato de terem destruído uma cultura milenar e não
pala razão de terem assassinado seres humanos!
Cheguei até aqui apenas com a
intenção de sugerir um filme sobre o Holocausto. Um filme sem caricaturas de alemães
sádicos, mas com gente de carne e osso, assassinos de carne e osso, pessoas que
entram no Estado e se veem como uma peça do sistema burocrático amoral. O filme
é “O menino do pijama listrado” - um filme poético e assombroso. Aqui, ao
contrário de "A vida é bela" a inocência da infância não é perdoada
diante do peso da realidade engendrada pelo mundo dos adultos.
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