Robert L. Stevenson
L&PM Pocket
366 Páginas
"Stevenson concebeu A ilha do tesouro para o divertimento de seu enteado, Lloyd Osbourne, que tinha doze anos em 1881. Escrevendo a seu amigo W. H. Henley a respeito do novo livro, ele declarou que "se isto não encantar os garotos, ora, então eles mudaram muito desde que eu era criança". Uma história de piratas, com um mapa, um tesouro, um motim e um cozinheiro de bordo com uma perna só, A ilha do tesouro permanece uma das histórias de aventuras mais amadas da literatura. - L&PM".
2 comentários:
Depois de algumas décadas, refiz a leitura de “A Ilha do Tesouro”, meio que despretensiosamente, já que sempre considerei o livro infanto-juvenil (talvez por tê-lo lido umas duas ou três vezes até os 14 ou 15 anos). É um livro que prendeu-me a atenção pela volta à nostalgia, dos dias em que me imaginava um aventureiro corajoso e destemido em um mundo perigoso, mas completamente desconhecido. Devo tê-lo lido em dois ou três dias, nos momentos disponíveis entre o trabalho, os estudos e os afazeres familiares; o que acabava me deixando ansioso para uma folguinha e a volta à narrativa de Stevenson.
Como curiosidade, vale lembrar que a ideia inicial de R. L. Stevenson era escrever uma história para o seu sobrinho, algo que aguçasse a imaginação e fantasia do jovem; publicada inicialmente na forma de capítulos em uma revista da época, surgiu na forma de livro em 1883.
A grande importância do livro, além do próprio enredo, foi trazer para o gênero (que não existia como tal) elementos que o caracterizariam depois. O mote de tudo é a busca pelo tesouro do “Capitão Flint”, um pirata terrível que supostamente havia enterrado um grande fortuna. O motim dos tripulantes e a luta pela sobrevivência, enquanto a corrida ao baú continuava, são o pano de fundo para o desenrolar da estória.
De um lado temos o “bem” nas pessoas do jovem Jim Hawkins (o narrador, em primeira pessoa), Capitão Smollett, Dr. Livesey e o Lorde Trelawney; em outro lado temos Hands, Papy, Arrow e o carismático, mas não menos temido, Silver. Ele é um caso à parte. E será dele a maior parte deste comentário.
Situemos “A Ilha do Tesouro”, escrito cinco anos antes de “O Estranho Caso do Dr. Jackyll e o Sr. Hyde”, também conhecido como “O médico e o Monstro”. Encontramos na figura do cozinheiro Long John Silver (um disfarce para encobrir as suas reais intenções) características, ainda que preliminares, que comporiam a personalidade central de Jackyll e Hyde, os conflitos entre o bem e o mal. É claro que nada disso é traçado de forma límpida, o tal do preto no branco, como se fossem meros espectros antagônicos, sem conflitos interiores, dúvidas e muito pouca certeza. Não sou dicotômico; entretanto, entendo que existe um conflito em curso na vida humana, ora pendendo para um lado, ora outro, ainda que boa parte das pessoas estejam em lados opostos, aparentemente, numa guerra de interesses.
Silver é uma mente culta, de intelecto privilegiado, de retórica apurada, mestre tático, ardiloso, sedutor, capaz de convencer a pulga de que é o cachorro. Em contrapartida, é uma mente atormentada, capaz de cometer atrocidades e crimes sem um leve pestanejar. Da mesma forma que transparece eloquência, e uma boa dose submissão aos seus empregadores, se o fim é apossar-se do tesouro de Flint, a fúria a qualquer um que atravesse o seu caminho o tornará sanguinário e cruel. Nem mesmo o carinho e interesse quase paternal pelo jovem Jim (de certa forma, ainda que momentânea, protegendo-o, ensinando-o a ser um marujo) será obstáculo até a posse do tesouro.
(continua...)
(...)
Estando na meia-idade, tendo uma perna-de-pau, sua força física, aliada a uma violência natural (sem nos esquecer da sua sagacidade), torna-o em um oponente quase imbatível. O temor pelo qual perpassam inimigos e aliados é completamente justificado pelo corpo e mente diabólicos de Silver. A luta dele é pela sobrevivência, mesmo que decida-se por um lado, e depois por outro, os interesses são os de preservar-se a todo custo, ainda que resulte em dupla traição: aos antigos inimigos feitos novos amigos, e os antigos amigos em inimigos.
Existe alguma semelhança na construção de Silver e Jackyll/Hyde, numa luta ferrenha entre as virtudes e os vícios, travadas na alma do mesmo homem.
Na teologia cristã, e na vida de cristãos conversos, essa batalha se trava no âmago, em que, transformados e regenerados por Cristo, ainda se vive com a natureza pecaminosa. Em vários textos bíblicos temo-la como a “luta entre o espírito e a carne”. Essa é uma realidade vivenciada, em maior grau pelos cristãos, cientes do que seja o bem e o mal, o moral e imoral, vida e morte. Mas, mesmo os não-cristãos, têm em si a centelha do Imago Dei; e trava-se a mesma disputa, por causa dos atributos divinos transmitidos ao homem quando da sua criação.
Por que toquei nesse ponto? Porque a boa literatura não prescinde a realidade, muito menos a realidade moral, da qual Silver e Jackyll/Hyde são exemplos do que somos, fomos ou seremos, em algum momento e alguma proporção. Ainda que a crueldade de Silver e Hyde não aflore em nossos atos, a certeza é de que, sem os aspectos da moral divina a nos frear, seríamos tão ou mais sanguinários que eles.
Se levarmos em consideração que “O Médico e o Monstro” é uma aventura pela loucura, cobiça e depravação de Jackyll, a pretensão de se fazer Deus, como certo personagem do Éden, “A Ilha do Tesouro” não é menos uma aventura pela alma conturbada de Silver do que a caça à riqueza e poder. Por isso, Long John se inscreve no rol dos grandes personagens literários de todos os tempos, como um alerta para vencermos o mal. Por pouco, não pagou por seus atos, debaixo da benevolência do Dr. Livesey, e de um acordo interessante a ambos.
Ben Gunn entendeu, à sua maneira, aplicar engenhosamente os princípios morais, negando o que fora, para aliar-se àqueles que o salvariam. Mas vou parar por aqui, senão um comentário pode se tornar um ensaio. E estou longe de escrevê-lo.
Postar um comentário