Fernando Sabino
296 Páginas
"Esta é a história de um jovem em desesperada procura de si mesmo e da verdadeira razão de sua vida. Quase absorvido por uma brilhante boêmia intelectual, seu drama interior evolui subterraneamente, expondo os equívocos fundamentais que vinham frustrando sua existência e sufocando sua vocação. O encontro marcado é a história de Fernando Sabino? Sim, mas não se trata de uma autobiografia. É a história atormentada de toda uma geração, naquilo que ela tem de essencialmente dramático. Em meio às confusões da vida, procura-se um valor que dê sentido à desconcertante experiência pessoal de quem trava um duelo de morte com a vocação furtiva. História de adolescência e juventude, de prazeres fugidios, desespero, cinismo, desencanto, melancolia, tédio, que se acumulam no espírito do jovem escritor Eduardo Marciano, um homem que amadurece num mundo desorientado. Ele vê seu matrimônio quebrar-se quando já não pode abdicar; por força de sua própria experiência, o suicídio deixa de ser uma solução. Nessa paisagem atormentada, ele deve renunciar a si mesmo, para comparecer ao encontro com uma antiga verdade."
2 comentários:
A primeira coisa que me chamou a atenção foi a fluidez da narrativa, quase uma corrida tresloucada empreendida pelo autor para “prender” o leitor. Há uma profusão de imagens, diálogos e cenas a se atropelarem umas sobre as outras, como se estivessem a competir entre si; tal qual o personagem principal Eduardo Marciano (um alterego de Fernando?) fazia enquanto atleta da natação. Há, também, cortes abruptos e “finais” sem fim, para que o próximo ato não se perdesse em meio às superficialidades narrativas. Mais do que uma apreciação, e menos do que uma censura, o fato é que dá para ler “Encontro Marcado” de uma sentada só. Nesse aspecto, temos um ponto a favor.
A segunda coisa que me chamou a atenção foi a futilidade ou melhor, a falta de propósitos de uma geração, especialmente dos autores mineiros. Em meio ao “Estado Novo”, a 2ª Guerra Mundial, a “Guerra Fria”, e a ascensão comunista na Europa, Eduardo e seus amigos Hugo e Mauro (a tríade etílica mais que literária), se consumia em porres homéricos, sexo fortuito, intrigas, arruaças, e uma busca existencialista, quase niilista, que os levava à angustia e ao desespero. Mesmo sabendo que a juventude é palco para as aspirações menos “nobres” e dignas da vida, eles se aplicavam a superar, em muito, o vulgar e ordinário. Ainda que tudo parecesse uma “farra”, onde os desejos eventuais se pareciam vícios, no desequilíbrio de uma rotina nociva e autodestrutiva, Eduardo, um católico não praticante, atormentado pelas dúvidas em relação a Deus, apegava-se à invocação carnal, intelectual, como remédio para a insatisfação espiritual. E não se pode livrar de um problema com o tratamento para outro problema. Na verdade, a baixa disposição moral, o orgulho exacerbado e pretensa superioridade faziam agravar ainda mais a insatisfação existencial, à medida em que o tempo passava e nada daquilo a que se propunham chegava a bom termo.
A terceira coisa, foi a nítida impressão de um livro escrito “às pressas”, de aparente superficialidade, mas que, na verdade, discute, e, quando não o faz, apresenta os temas mais importantes da humanidade, e que torna o homem no que ele é, um ser ambíguo, duplo, quebradiço, instável. A modernidade fez, no sentido do ceticismo, hiperbolizar essas características, ao ponto de perder, tal qual o cego buscando a agulha em um palheiro.
Portanto, não se iluda com a linguagem pretensamente despojada, porque ela guarda muitas surpresas ao leitor atento.
Com o mote de um “encontro marcado” entre os amigos, no futuro (coisa que quase todo mundo prometeu fazer mas não cumpriu), temos, na verdade, a busca pela realização e o encontro com uma realidade nada idealizada. Eduardo, por exemplo, buscava sempre a ideia brilhante, para um grande romance, despontar, e nunca acontecia. Se dispunha a sacrifícios em prol da arte da escrita, mas ela se lhe apresentava ingrata e nula. Apesar dos artigos, contos e poemas esporadicamente publicados na imprensa, o seu notável permanecia irrealizado. Persistia, contudo, a busca pelo sentido; e este cada vez mais se mostrava distante da vida burguesa a qual se propunha, regada a “sexo, drogas e rock”.
Interessante notar que, pelas vias biográficas, a história nos mostra que o homem sempre esteve às voltas com a distração; os prazer carnais e intelectuais seriam a “ponte de salvação” para a humanidade, mas se mostrou, em todos os casos, apenas devastadora e falaz. Enquanto o homem busca, em si mesmo, a razão para a “vida”, seus esforços serão menos do que insensatos e mais tolos. Existe no homem a necessidade de Deus, e ela não pode ser preenchida por nada além do próprio Deus. Por isso o homem ergue ao “patamar de Deus” o conhecimento, a ciência, o sexo, os vícios, o dinheiro, o poder, o trabalho, e qualquer outro ídolo a substituí-lo, sem, contudo, se sentir plenamente realizado e satisfeito. Eduardo é assim. Na busca de sentido, perde-o em alheação e descuido. Resta-lhe a solidão, e os vícios a tentar preenchê-la.
(continua...)
(...)
Algo nele está a apontar para Deus, na forma da religião ou tradição religiosa, mas ele não busca verdadeiramente, até se ver por completo alijado do mundo construído à sua volta (este sim, à custa dos seus esforços), e restar-lhe os conselhos do amigo monge. Ainda assim, não existe disposição para encarar a realidade da sua auto-insuficiência, e seus questionamentos parecem mais uma satisfação à sua (in)consciência, sem a pretensão ou o desejo de encontrar respostas às perguntas. Não parece haver sinceridade, apenas desespero. Nem uma busca real, mas o despiste e a negação da razão. Sim, interpelar-se significava acomodar a consciência, em uma fuga contingente, sem o objetivo de alcançá-la. Nesse sentido, o “encontro é desmarcado”, e suas buscas infrutíferas e não desejadas.
Eduardo é a personificação de uma geração, digo, de muitas gerações de artistas, em épocas e lugares diferentes, envolvidas pelo fracasso. Tinham todos os recursos para se destacarem em seu tempo, mas prefeririam a permanência em uma “zona de desconforto”, no qual a insatisfação e a autovitimização encarregaram-se de derrotá-los. O ego exacerbado e o orgulho jogaram uma pá de cal no talento e na disposição natural, levando-os ao fiasco. Não apenas como artistas, mas como homens.
Fernando Sabino trata desse homem, o homem perdido e não encontrado. O homem buscado e nunca achado. O homem de intentos, mas sem sentido. Os sentimentos prevalecendo sobre a razão. Cada vez mais ressentido, contristado, combalido. E o tempo passa, e nada muda. Porque o sentimento verdadeiro se perdeu em meio à algazarra de todos os espíritos consternados, aflitos. De uma aflição artificial, feita a fórceps, e, por isso, ainda mais desordenada e letal.
Este livro foi uma grata surpresa, especialmente porque, na minha adolescência, havia lido alguns livros de Sabino, e não guardava nada daquelas leituras. Abriu-me o apetite em reler, e ler, outras de suas obras.
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