Luz em Agosto (****)








William Faulkner
Cosac & Naify
448 Páginas




"Este livro de William Faulkner em nova tradução é um romance de arquitetura complexa. A ruptura com a linearidade desconcerta o leitor. O tempo é estilhaçado e é pela valorização dos estilhaços que Faulkner multiplica os pontos de vista, iluminando figuras sublimes e grotescas. Da atmosfera de violência e horror do Mississippi surgem personagens profundamente humanas. Mas a história não termina aí. Toda a maestria da construção de "Luz Em Agosto" se confirma no último capítulo, numa reviravolta narrativa que o consagrou definitivamente. O leitor, guiado pelo autor, encerra o livro em estado de assombro. Viveu intensamente o horror, tomou contato com os recônditos da alma. Percebeu o passado como um inimigo que não dá trégua. Será assombrado por imagens poderosas. Um livro que não tem fim."


2 comentários:

Jorge Isah disse...

Gastei um bom tempo lendo este livro. Para ser mais exato, quase um ano. E não foi uma leitura fácil. Em muitos momentos me vi refletindo em algo do texto, sem poder continuar. Um certo “peso” me fazia parar e buscar uma literatura mais digerível, menos estafante. Com isso não estou dizendo que não gostei de “Luz em Agosto”, pelo contrário, já estou engatilhando o próximo livro do autor.
Como Thomas Mann, Faulkner não é para leitores apressados, ao menos, é o que penso. Em um mundo onde a literatura se tornou refém das imagens, como subproduto criado para a TV ou Cinema, é possível afirmar que a maioria das pessoas não se interessará pelo livro. Alguns o considerarão difícil. Outros indesejado. Para muitos outros, ignorado. É o preço a se pagar por gerações e gerações de pessoas cada vez mais apequenadas em seu mundo tubular, de lcd ou led. Mesmo os ereders pertencendo ao “mundo” dos leds, a grande massa ignora-os por completo.
Faulkner tece a sua linguagem de forma minuciosamente orquestrada, onde cada palavra parece desempenhar uma função além do próprio significado. Ela transcende a si mesma, revelando um mundo muito mais vasto do que o sentido que se atribui. Como se fosse um tubo de imagem (os mais velhos saberão do que estou falando) a emitir uma explosão de ondas capazes de formar uma paisagem nem sempre nítida, nem sempre identificável, mas sempre abrangente. Ainda que os indivíduos tenham nome, endereço e cpf, qualquer um de nós pode se identificar ou identificar algum conhecido entre as figuras criadas pelo autor.
Os personagens desfilam sua ordinariedade (no sentido trivial, comum), mas por meio de uma narrativa sofisticada e, por vezes, hermética. Penso que nenhum escritor deseja ser impenetrável ou complexo, mas são características que permeiam grandes nomes da literatura (James Joyce me parece o expoente entre todos). Eles gostam de “brincar” com o leitor, em um jogo de charadas intricadas, ou não tão reveladoras, deixando a cargo da imaginação e da intuição o complementar a informação. Há quem goste. Há quem desgoste. Há quem não se importe. O certo é que, uma mesma história pode ser contada de maneiras diferentes. Algumas afloram asco, outras indiferença, ainda outras encanto. Faulkner está no terceiro e último grupo, bastando a atenção necessária, e a paciência ainda mais primordial, para degustá-la calma e parcimoniosamente.
O livro conta a história de Christmas (e não é por aqui que cessam as referências cristãs), um homem branco que se considerava negro. Desde a mais tenra idade, viveu o dilema de carregar um sangue que não refletia a cor da sua pele. Na verdade, na casa dos 30 anos, não se identificava com qualquer dos aspectos da sua origem. Apenas se sentia abandonado, jogado à própria sorte. Não se sentia branco, apesar de parecer; e atormentava-se com a negritude, a qual assumiu e alardeou aos quatro ventos, mas que o consumia. Na parte sul da América, onde a escravidão havia sido abolida, mas a segregação estava a pleno vapor, ser negro não era o melhor dos mundos. E Christmas parecia se autoflagelar, ou não ser capaz de escapar do estigma, que supunha distingui-lo. Era uma espécie de autoexpiação, de purgar a si mesmo pelo que não tinha, enquanto abandonava o que lhe restava.
Antes, e a narrativa principia daí, temos uma jovem grávida, Lena, prestes a conceber, que atravessa metade do país em busca do pai do seu filho, o qual prometera se casar, mas fugiu, deixando pistas ambíguas do seu paradeiro. Ela viaja solitária, contando com a ajuda de estranhos para alimentar-se e cruzar os territórios à caça do aspirante a marido.
(continua...)

Jorge Isah disse...

(...)

Talvez a figura mais marcante e atormentada seja a do pastor Hightower, homem confuso quanto a sua fé, o relacionamento com Deus, e as lembranças de sua esposa nada sincera. Ele faz várias reflexões, sem contudo chegar a alguma conclusão. Passa boa parte do tempo se torturando com as lembranças e o próprio rumo que a sua vida tomou, quando não está a desgraçar os outros. Não somente através dele, e pelo viés de outros personagens, Faulkner utiliza-se das descrições de lugares, situações e ações para “filosofar”, e trazer um certo aspecto racional, ou intelectual, à profusão de sentimentos. Enigmas que precisam ser desvendados, na busca da verdade, mas que são abandonados pelos dilemas cotidianos. Apenas como aperitivo, transcreverei dois trechos em que Hightower pondera:
“‘Mas no céu e na terra há outras coisas além da verdade’, pensa... ‘Muitas outras coisas’, refletindo em que a inteligência foi, segundo parece, dada ao homem para, nos momentos de crise, ele poder proporcionar a si mesmo formas e sons com que defender-se da verdade” (Pg. 390).
“‘Talvez tivessem razão em introduzir o amor nos livros’, pensava Hightower. ‘Talvez ele não pudesse viver em nenhuma outra parte’” (Pg. 392)
Não falarei mais sobre o livro em si, dado o meu desprazer em escrever resumos e estragar a curiosidade e o divertimento do futuro leitor.
“Luz em Agosto” não pretende iluminar a vida dos personagens, como se viesse reabilitá-los. Não existe a pretensão de tirá-los da escuridão, na qual todos parecem estar imersos, de uma forma ou de outra. Apenas reconhece-os como são, com todos os seus pecados, dúvidas e as complexidades da natureza humana, permeadas por um mundo tão humano e, por isso, idiossincrático em suas relações. Não há heróis. Há, sim, indiferença, ódio, conflitos, mas também bondade ingênua, como a de Burch. Se existe desapego de um lado, há obstinação do outro. E nem mesmo o desapego sobrevive ao crivo do apego, teimoso.
Este é um livro altamente recomendado para não preguiçosos, e que buscam uma leitura “quase idílica”.

Após a leitura, classificarei os livros assim:
Péssimo [0] Ruim [*] Regular [**] Bom [***] Muito Bom [****] Excelente [*****]