A presente resenha foi feita a partir da obra “Antropologia Filosofica”, que, ao que parece, foi traduzida para o português e publicada pela Editora Martins Fontes com o título “Ensaio sobre o homem”. Contudo, sem esta obra em minhas mãos, não posso confirmar sequer se a tradução foi completa ou não. Mas fica a dica aos que irão procurar esta obra de Cassirer.
“Antropologia Filosofica” tem como subtítulo “Introducción a una filosofía de la cultura”. É um livro dividido em duas partes. A primeira já foi tratada aqui. O que Cassirer busca, e este deve ser o interesse do missionário que foi enviado para trabalhar com uma outra cultura, é entender o que é o homem a partir da sua produção cultural. Daí estarmos criando uma biblioteca crítica sobre a teoria dos símbolos, pois, ainda que Cassirer sustente seu trabalho sob o prisma do neokantismo, ele trabalha com a produção cultural do ser humano e busca a unidade dessas aparentes forças contraditórias: o mito, a linguagem, a arte, a história e a ciência.
Para Cassirer, como bom neokantista, essas diversas áreas representam o esforço humano para unir contraditórios e que não devem ser vistos como excludentes, mas, como são símbolos, devem ser vistos e “lidos” dentro de suas próprias regras. Cada área dessa possui suas próprias regras, são símbolos e, portanto, a filosofia da cultura, que busca responder ao que é o homem, deve se ocupar em discernir essas áreas e compreender a comunicação que elas empreendem.
Vemos por todo o livro que Cassirer vai reagindo ao empirismo, que tende a reduzir o ser humano a um mero elemento a mais no mundo animal, tendo sua inteligência diferenciada de outros animais apenas por grau. Para Cassirer, porém, a razão humana é, de longe, uma coisa muito diferente de quaisquer possíveis e surpreendentes demonstrações de certa racionalidade e certa cultura que exista nos animais. E o cerne do que difere o ser humano dos animais é que o ser humano, mais do que ser um animal racional, é um animal simbólico. A nossa inteligência é marcada pelo esforço de dominar a realidade apreendida pelos nossos sentidos sensíveis. E, neste sentido, é fundamental que o missionário se abra a estudar a cultura do povo no qual ele vai trabalhar e estas são as áreas: a linguagem (não apenas a língua), a arte, a história, os mitos e a ciência. Estas áreas realmente vão revelar ao missionários as diversas forças que estão em contradição diante daquele povo e demonstram seu esforço intelectual e espiritual em compreendê-las e dominá-las.
Um ponto muito bom desse livro é exatamente vermos Cassirer já trabalhando sob o novo paradigma da história. Diante do fracasso e da contradição de todas as teorias gregas, clássicas e eleáticas sobre o ser e a natureza humana, o autor propõe que não é na natureza humana (e ele questiona que ela, de fato, exista) que devemos encontrar a resposta para o que é o homem, mas na história. Em suma, não existe natureza humana, o que existe é história humana. E esta concepção irá marcar profundamente a modernidade e lançar a nova epistemologia na pós-modernidade. Porque o ser humano não será mais um sujeito submetido às regras naturais ou físicas e nem às regras lógicas, mas, a partir de agora, a ênfase é a semântica. Assim, a filosofia da cultura de Cassirer se institui como uma filosofia da linguagem e é esta abordagem que vem ao encontro dos interesses da nossa biblioteca de semiótica que estamos construindo para compreendermos tanto o homem pós-moderno, mas como ele entende a realidade, tratando tanto de suas contribuições positivas como negativas.
Para o missionário, os dois livros de Cassirer possuem um sentido todo especial pelos inúmeros casos de campo que trata, não apenas de relatos de pesquisadores acadêmicos, mas também de missionários.
Cassirer não está equivocado quando trata do mito, da linguagem, da arte, da história e da ciência como símbolos no sentido de “interpretações” da realidade. De fato, não podemos esquecer que todas essas abordagens são feitas por seres humanos que traduzem o pensamento do seu tempo. Essas áreas de conhecimento são recortes da realidade e abrigam interpretações, não são simplesmente fatos explicados, organizados e ensinados de modo neutro. Esta é a grande tese de Cassirer: “Esta espontaneidad y productividad constituye el verdadero centro de todas las actividades humanas. Es el poder supremo del hombre y señala, al mismo tiempo, los confines naturales de nuestro mundo humano. En el lenguaje, en la religión, en el arte, en la ciencia, el hombre no puede hacer más que construir su propio universo simbólico que le permite comprender e interpretar, articular y organizar, sintetizar y universalizar su experiência”.
Para resenha completa da 2ª parte do livro, clique aqui. O blog "Bibliotheca de Semiótica" pretende ser um banco de resenhas para interessados e missionários que trabalham com outras culturas. Assim, é característica da "Bibliotheca" que, durante os resumos dos livros, eu faça comentários sobre as ideias do autor, concordando ou refutando, para que o leitor possa encontrar uma crítica e auxílio para a formação do seu próprio pensamento. Boa leitura!
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