Duas Narrativas Fantásticas [***]







Fiodor Dostoieviski
Editora 34
128 Páginas




"Designadas pelo próprio autor como "narrativas fantásticas", as duas novelas aqui reunidas foram publicadas pela primeira vez nas páginas do Diário de um escritor, publicação mensal redigida por Dostoiévski entre 1876 e 1881. 
Em A dócil, um homem desesperado refaz, diante do cadáver da mulher, a história de seu relacionamento, tentando compreender passo a passo as razões que a levaram ao suicídio. Já em O sonho de um homem ridículo, o narrador, a ponto de acabar com a própria vida, adormece na poltrona diante do revólver carregado. Principia então um dos sonhos mais extraordinários da história da literatura, durante o qual Dostoiévski anuncia a possibilidade de uma vida utópica em outro planeta antes de seus habitantes serem contaminados pelo veneno da autoconsciência. 
Ambas as narrativas partilham da mesma "introspecção verrumante" que Boris Schnaiderman apontou no protagonista de Memórias do subsolo, livro com o qual estas obras mantêm grande afinidade. Tanto lá como aqui, o escritor russo submete a forma do monólogo a tal intensidade dramática, que o resultado ultrapassa as fronteiras daquilo que nos acostumamos a chamar de literatura."


2 comentários:

Jorge Fernandes Isah disse...

“Duas narrativas fantásticas” é um livro que pode parecer, à primeira vista, tratar de temas irreais e utópicos. Engana-se quem assim pensa. Poderia chama-lo de “expectação suprarreal” tal a realidade (e também humanidade) dos temas abordados. O livro se compõe de dois contos: “A Dócil” e “Sonho de um homem ridículo”, onde o assunto “suicídio” está presente em ambos.
No primeiro, temos um homem de 40 anos aproximadamente, casando-se com uma jovem recém-saída da adolescência. Ela é criada por duas tias que pretendem uni-la em matrimônio com um homem asqueroso e rude; mas acaba por conhecer, e por fim casar-se, com um negociante, dono de uma loja de penhores. Ele fora militar; sendo desligado da corporação por se recusar duelar com um companheiro de farda, que o insultou. Por isso, ficou com a pecha de “covarde, o que o atormentou, de certa forma, por toda a vida.
Ele se apaixonou pela garota, por sua beleza, meiguice e a docilidade do título. Ela, para se livrar do brucutu com o qual as tias queriam uni-la, aceitou o pedido de casamento do negociante, e acabaram juntos.
No início, as mil maravilhas; porém, com o passar do tempo, ele vai se tornando controlador, exigente, individualista, e a mantém distante de si. Eles pouco ou nada dialogam. Não têm uma vida compartilhada além do local onde moram. Isto faz com que a relação frágil se torne ainda mais débil, e perigosa (ele fugindo da solidão, e ela de um casamento indesejado), tornando-os, enfim, amargos e quase inimigos.
Ela abandona a docilidade para se tornar em uma mulher sediciosa, provocadora, e adúltera. Numa clara tentativa de autodestruição, de desprezo a si mesma (ainda que respaldada pelo desprezo ao cônjuge), frustrada e em estado de beligerante vingança.
Ele, ao perceber a traição, e a rejeição, e o desprezo da esposa, obriga-se a uma reação de autoridade, como se suficiente para transformar o caos existencial de ambos em ordem, no retorno à harmonia perdida.
O ponto é: duas vontades, aparentemente boas e benéficas, podem descambar para a beligerância e a destruição. Entre a rigidez de um relacionamento formal e conveniente, e o sonho de perfeição, romântico e singelo, está o homem, e sua humanidade, disposto a frustrar os dois esquemas, revelando que a vida é muito mais complexa do que uma suposta unidade de interesses possa contê-la; a vida toma rumos desconhecidos, ainda que muitos previsíveis, se o homem não deixar de olhar para si mesmo tão somente, e observar o próximo com cuidado, generosidade e caridade. A perfeição não pode ser exigida, nem mesmo no amor, se não houver uma disposição ao sacrifício, a entrega voluntária do seu orgulho, desejos, ambições e egoísmo em favor do outro, de tal forma que, mesmo pessoas diferentes e com vontades distintas, se harmonizarão do mútuo anseio de privilegiar aquele que é o alvo do seu amor. Se não acontece...
Quanto ao suicídio... bem, leia a história e saiba como terminou.

Jorge Fernandes Isah disse...

O outro conto, “Sonho de um homem ridículo”, muitas vezes é compreendido como se fosse um sonho ridículo, quando o título nos remete a um homem ridículo, que necessariamente não tem um sonho ridículo. Pela grandiosidade da narrativa dostoieviskiana, alguns imaginam que o sonho daquele homem não passa de um delírio, uma utopia infinitamente distante da realidade humana, quando, o que o autor nos revela é exatamente a essência dessa realidade, a humanidade em todos os seus detalhes, ainda que relatados em uma porção de páginas.
Sem fazer um spoiler do livro (o que infelizmente acabei por fazer no comentário ao outro conto), Dosty (desculpe-me a intimidade, mas sou leitor do russo desde a adolescência; então, me permito certas liberdades) revela que a esperança não pode estar em um homem, ou mesmo em muitos homens, desde ou de outro mundo, pois mais cedo ou mais tarde a sua inclinação para o pecado, para a subversão, e a incitação ao mal, aflorará. Um único homem pode por tudo a perder, ao incitar outros a trilharem o mesmo caminho de morte no qual transita.
A referência ao Éden e à Queda, descritos no livro de Gênesis, é clara, trazendo, na trama, as mesmas consequências para a humanidade advindas da rebeldia do casal primevo. O homem inclina-se para o mal, a despeito de todo o bem que está a cerca-lo, da bondade divina e que lhe foi entregue também na obra da Criação.
Contudo, existe redenção, existe perdão, se houver sincero arrependimento dos seus pecados, é possível ver a luz, e vislumbrá-la por toda a eternidade. Este me parece o cerne, digamos, a parte otimista em toda a narrativa de Dosty, desde Crime e Castigo até mesmo nesse singelo, mas fantástico conto.
Ah, sobre o suicídio, que falei no primeiro comentário, e que está presente em ambos os contos, deixarei para que você mesmo leia o livro, e se certifique do que estou falando, como o apontar a direção.
Livro curto, belo, em descreve a miséria humana, mas com os eflúvios eternos do porvir.

Após a leitura, classificarei os livros assim:
Péssimo [0] Ruim [*] Regular [**] Bom [***] Muito Bom [****] Excelente [*****]