Denis Thériault
Editora Leya
128 Páginas
128 Páginas
"Cartas, poesia e um amor inesquecível. Bilodo vive a tranquila vida de um carteiro sem muitos amigos nem grandes emoções. Completa diariamente seu percurso de entrega e retorna sempre à solidão de seu pequeno apartamento em Montreal. Mas ele encontrou uma excêntrica maneira de fugir dessa rotina: aprendeu a abrir as correspondências alheias sem deixar rastros e passou a ler as cartas pessoais com as quais se depara. E foi assim que ele descobriu o primeiro grande amor de sua vida: a jovem professora Ségolène, que mantém uma misteriosa correspondência com o poeta Gaston, composta somente por haicais. Instigado pela elegância e simplicidade de seus versos, Bilodo se vê cada vez mais fascinado por essa forma de poesia. Mas quando é confrontado com a perspectiva de se ver privado das cartas de Ségolène, ele precisa tomar uma decisão que pode levá-lo mais longe do que podia imaginar. Talvez seja hora de compor seus próprios poemas de amor. “Peculiar e charmoso com um desfecho bem executado , esta novela traz à mente nada menos do que um Kafka apaixonado” The Guardian".
Um comentário:
O livro trata de assuntos que cada vez mais estão inseridos no mundo moderno: a solidão, a perda, ou a confusão, de identidade, abstração e uma boa dose de voyeurismo. O protagonista é um carteiro solitário, Bilodo, que preenche o seu vazio lendo as correspondências dos clientes e exercitando a arte da caligrafia. Especialmente, agrada-lhe muito as correspondências de uma professora residente em Guadalupe, Ségolène, endereçadas a Gaston, professor e poeta, morador em Quebec, como Bilodo. Entretanto, o único conteúdo são haikais, um a cada carta enviada, o que acaba por levar o carteiro ao mundo da literatura, diga-se, japonesa.
Em meio a uma reviravolta na história (algo previsível, ao menos para mim, que imaginava o desfecho), Bilodo assume a identidade de Gaston, mantendo a troca de missivas com Ségolène. Neste ponto, a paixão pela professora havia se instalado no seu coração, e a única forma de sustentar o seu deleite platônico era manter a troca de correspondências.
É possível perceber como em um mundo digital, onde as comunicações estão ao toque dos dedos, as pessoas encontram-se mais solitárias, deprimidas, vulneráveis e, em alguns casos, suicidas. O suicídio tem sido a “saída” para a debilidade dos homens modernos, assim como os prazeres fugazes (sexo inconsequente; drogas; álcool; “adrenalina”; e tantas outras “loucuras” que tentam mostrar aos seus praticantes que estão vivos, ainda que por alguns minutos ou horas) são placebos a aplacar a angústia e dor na alma.
Ele vê nos seus poucos amigos e colegas um espirito vil, desprezível, mantendo-se ainda mais distante deles, em suas compulsões pela degradação e libertinagem. A sua ordem interior é quase ascética, se não fossem os seus “arroubos” em furtar o conteúdo das cartas. Para ele, os demais encontram-se em um estado de constante imoralidade e exibicionismo (outro ponto notadamente “moderno”). Prefere o lirismo dos haikais, a sutileza das palavras singelas, a esperança no sonho, e a alma preenchida pelo belo, inocente, puro.
Entretanto, o homem é um ser pecaminoso, e ele o sabe, ao ponto de quebrar regras, infringir leis, para satisfazer os desejos mais íntimos. Contudo, a paz, a ordem e a harmonia são rompidas, quando o amor platônico e diáfano entre a professora e o carteiro toma cores reais, invadindo a privacidade de Bilodo, na iminente exposição da sua trapaça. Ele vai ao desespero. Neste intercurso, sofre as consequências do seu plano, descoberto pelo melhor amigo, Robert, expondo-o sorrateiramente. Bilodo vê o seu mundo desmoronar por completo, e a única pessoa que o amava, como realmente era, Tania, torna-se também inimiga (por causa de uma trapaça de Robert).
O final, com elementos fantásticos e místicos, provavelmente resultante do “espírito” da poesia japonesa, era um dos desfechos que considerei possível, quando Bilobo assume uma dupla identidade (quase o levando a anular a verdadeira).
Muitos consideram este livro um romance, pequeno, mas romance. Eu o tenho como uma novela: personagens sem muita profundidade, trama simples, narrativa rápida, ações essenciais dos personagens para a trama, unicidade e linearidade no enredo.
“A vida particular de uma carteiro solitário”, escrita por Denis Theriault, é um livro leve, com uma linguagem etérea, quase sublime, onde o amor pode ser incomparavelmente puro, casto, podendo descambar, a qualquer momento, para os vícios comuns do homem.
O livro foi um frescor, ainda que tenha me dado a impressão de ser voltado para um público mais juvenil e feminino, em meio a aspereza e acidez das últimas leituras.
Postar um comentário