Mary Shelley
Editora Penguin
424 Páginas
"O arrepiante romance gótico de Mary Shelley foi concebido quando a autora tinha apenas dezoito anos. A história, que se tornaria a mais célebre ficção de horror, continua sendo uma incursão devastadora pelos limites da invenção humana. Obcecado pela criação da vida, Victor Frankenstein saqueia cemitérios em busca de materiais para construir um novo ser. Mas, quando ganha vida, a estranha criatura é rejeitada por Frankenstein e lança-se com afinco à destruição de seu criador. Este volume inclui todas as revisões feitas por Mary Shelley, uma introdução da autora e textos críticos de Percy B. Shelley e Ruy Castro. Há ainda um apêndice com textos de Lorde Byron e do dr. John Polidori."
Um comentário:
Frankenstein, ou o prometeu moderno, é um exemplar romantista, escrito por Mary Shelley e publicado em 1818, quando tinha 19 anos. Especialmente por suas longas descrições, sejam de ambientes, lugares, pensamentos, pessoas, motivações, etc, que caracterizam o estilo literário. Para os não iniciados, pode parecer enfadonho e desnecessário, mas os detalhes auxiliam na compreensão e no clima de suspense da narrativa. Não o classificaria como um livro de terror; parece-me muito mais um grande drama, uma tragédia, remetendo à literatura grega clássica, a começar pelo subtítulo.
A história começa com o Dr. Victor Frankenstein (muitos imaginam ser o nome da criatura e não do criador) construir um “monstro” a partir de partes e pedaços de corpos. Após dois anos de intensos estudos, descobre a fórmula de dar vida à sua criatura, causando-lhe aversão e asco, levando-o a abandoná-la. Pararei por aqui, na descrição, para não estragar o ânimo do futuro leitor, e me aterei ao que mais me chamou a atenção no enredo.
Como disse, é um livro com inúmeras descrições, pormenores e detalhes que podem cansar o leitor não acostumado com a literatura romântica, ou romantismo. Parecem se arrastar e se repetir em muitos momentos, mas são necessários para criar um vínculo, ou melhor, uma sintonia do leitor com o relato. É notória a repetição das descrições sobre a “criatura” especialmente por Victor, que não se cansa de chamá-la de “monstro” e “demoníaca”.
Aspectos morais e éticos são abordados pela autora, em especial as consequências das escolhas, em especial as ruins, notadamente o mal a acometer inocentes e pessoas que em nada colaboraram para as decisões equivocadas. Frankenstein e sua criação travam um embate onde ninguém próximo sairá ileso, nem eles próprios. Algo que Shelley vislumbrou há 200 anos, como um desastre de grandes proporções se continuado, paira sobre a humanidade com os inúmeros experimentos genéticos em curso. Até que ponto, podemos brincar de Deus? Sem que a nossa “criação” se volte contra nós mesmos?
Se no racionalismo a razão é a mãe e explicação para todos os eventos e comportamentos e decisões, no naturalismo sobram sentimentos sem qualquer explicação racional. Por que Victor desejou fazer-se Deus e criar um monstro? Por que abandonou a sua criação? Perdendo o aparente controle sobre ela? E a criatura, desprezada e hostilizada, experimentou o mal que não conhecia?... Leva-me à Queda, quando o homem rejeita o Bem-Supremo para viver no inferno interior, tão vil, que se propaga ao seu redor, como uma peste, corrompendo e infectando quase tudo. Se a criatura é o mal, Victor é o impotente homem incapaz de combate-lo, antes faz apenas “excitá-lo” a produzir ainda mais o caos, a desordem, dor e morte.
Se antes a vida de Frankenstein era permeada pela completa ordem familiar, profissional, acadêmica, amorosa, fraternal, após a “liberdade” do monstro tudo vai se desvanecendo rapidamente; resta apenas o remorso e o ardente desejo de vingança a consumi-lo. Vê-lo perder a harmonia, fruto do seu egoísmo, orgulho e fraqueza, permite-lhe apenas uma saída: enfrentar o monstro. Entretanto, como combater e vencer algo maior e mais forte? Por onde passa, leva-o de roldão, um caminho repleto de desgraças.
A analogia com o pecado, e seu poder sedutor e controlador é inevitável, e deve nos colocar em estado de alerta, a fim de não sucumbirmos ao seu poder. Pois, depois de instalado, resta-nos a sujeição, feito escravos, e a aversão, o nojo, culpa e escrúpulos não são suficientes para derrota-lo.
No fim das contas, o monstro vence, ainda que, ele mesmo seja vítima do seu desejo pérfido, e pague, a seu tempo, a conta por seus crimes.
Um livro que vai muito além da mera diversão, para levar-nos do sossego à inquietação com a complexidade da vida.
Postar um comentário