Tenho tido o privilégio de, há
mais de 6 anos, dar uma disciplina que visa a formação e capacitação de
missionários transculturais: “Comunicação Transcultural e Contextualização”. E
em determinado ponto da disciplina sempre oriento os alunos a olharem para as
artes, as expressões artísticas do povo para ouvir delas a cosmovisão que o
povo tem acerca da vida.
Assim que cheguei ao Xingu (não
como missionário e nem como Pastor, porque não se entrava lá dessa maneira)
como professor de Gramática da Língua Portuguesa, um indígena que logo se
tornou um grande amigo veio me mostrar um livro com os mitos da Região.
Folheando as páginas cheias de gravuras, de repente ele aponta o dedo e diz
este é o “Jesus dos brancos”. Ao ouvir isso, fiquei com cara de abestalhado,
mas não disse nada, apenas pedi o livro emprestado. Em casa, busquei a gravura
que ele havia apontado e a história que estava ali. A gravura e a história se
referiam a Taungue, um indígena mítico, cujas histórias de fundação do povo
giravam ao redor dele. O problema é que Taungue era mentiroso, trapaceiro e
enganador naquelas narrativas míticas da cultura. Como, então, associaram ele a
Jesus? Eu tenho minhas teorias...
Mas o que quero, de fato,
compartilhar é que é fundamental no contato com o outro e sua cultura a
descoberta desses elementos: literatura, pintura, artesanato em geral, etc.
Eles significam! E se queremos apresentar o Evangelho de uma maneira que o
outro compreenda e, ao mesmo tempo, minimizando o sincretismo o máximo
possível, o missionário deve fazer o dever de casa de conhecer a cosmovisão do
outro antes de apresentar-lhe o Evangelho. Daí, danças, ritos, narrativas
míticas e tudo o mais deve vir aos olhos e ser estudado com carinho pelo
missionário, pois é esse material que nos dará a percepção até mesmo do que na
cultura do outro pode ser uma porta aberta para a má compreensão do Evangelho
(como é o caso de Taungue, por exemplo).
Neste ponto, quero apresentar
dois livros interessantíssimos que vieram às minhas mãos: “Porasy e os
estranhos seres da Mitologia Guarani” e “Jegwaká – o clã do centro da terra”,
ambos da Professora Vânia P. S. Hu’yju. O primeiro é um romance envolvente a
partir das narrativas do avô de Porasy sobre os antigos seres de sua mitologia,
mas que, aos poucos, deixam de ser meros seres mitológicos e tomam lugar no dia
a dia da jovem menina. “Jegwaká” é sob a perspectiva narrativa de três crianças
enviadas pelos deuses: Avá Verá, Kunhã Rendy e Mitã Rory. A partir dos
acontecimentos da vida das três crianças somos apresentados ao estilo de vida e
à cosmovisão Guarany. O animismo – cosmovisão preponderante nos povos tribais
de todo o mundo – é mostrado em todo seu colorido e ambos os livros nos dão
essa oportunidade de enxergar o mundo com os olhos do povo Guarany. Duas obras
indispensáveis para quem deseja trabalhar com esses povos. Os dois livros se
encontram na Amazon em formato de e-book.
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