Hannah Arendt


Há muitos filmes tratando do tema do Holocausto. Há uns filmes que eu detesto, como, por exemplo, “A vida é bela”. A justificativa do filme não me convenceu. Não gosto de nada que me coloque fora da realidade, mesmo que sob a desculpa de uma certa ludicidade do universo infantil. Não gosto de filmes que turvam a realidade ao mesmo tempo que tratam da própria realidade. Valeria a pena, como exercício didático do que estou dizendo aqui, assistir ao genial “Trem da vida”, que transborda todas as qualidades que faltam ao filminho do italiano Roberto Benigni. Aliás, dizem que o filme do italiano é um plágio descarado, um verdadeiro roubo de roteiro adaptado desse fascinante filme francês “O trem da vida”.

Polêmicas à parte, ou melhor, talvez insistindo nelas, devo confessar que, embora veja muitas qualidades no filme de Spielberg - A Lista de Schindler – este também não me agradou por recorrer ao lugar-comum do “vilão alemão enlouquecido”. O tema do alemão louco que teria posto em prática o assassinato de mais de 6 milhões de judeus é uma imagem que já está impregnada em nossa psique pela recorrente utilização dessa caricatura em tantos filmes, séries, comédias, etc. Todavia, ao ler o impressionante “Origens do Totalitarismo” e o revelador “Eichmann em Jerusalém”, ambos da filósofa judia Hannah Arendt, precisamos certamente desconstruir os mitos que a propaganda mundial fez-nos crer.

A ousada tese de Arendt nos dois livros é: “O fato de ter sido ou estar sendo vítima da injustiça e da crueldade não elimina a sua co-responsabilidade”. É! É isso mesmo o que você vai encontrar nos dois livros – a responsabilidade da vítima (no caso, o judeu) naquilo que fizeram contra ela. A crença do judeu num “anti-semitismo eterno” é um dos argumentos que Arendt expõe e que era compartilhado pelos judeus ao lado dos seus próprios algozes. O anti-semitismo foi encarnado como um destino inevitável pelo judeu, defende Arendt. Para ela, o próprio judeu dirigiu-se aos campos de concentração sob a forma de um cordeiro seguindo ao matadouro, porque acreditava nesse seu destino eterno. É a teoria do bode expiatório que, segundo a filósofa judia, “acentua a absoluta inocência das vítimas do terror moderno”. Por que os judeus e não outros? Tudo será justificado sobre as bases do anti-semitismo eterno. Este é o argumento usado tanto pelos algozes como pelos próprios judeus.

Em “Eichmann em Jerusalém”, além da denúncia de que os próprios judeus entregaram seus pares ao Holocausto e que eles, assumindo o papel histórico de bode expiatório, não se revoltaram contra os poucos guardas que empurravam milhares aos trens de carga, Hannah Arendt desmistifica também o mito do “alemão louco”, aquele ensandecido e fora de sua razão, o monstro germânico que engendrou o Holocausto para saciar o seu sadismo e mesquinhes. Esta imagem cai por terra. A filósofa judia olha para dois pontos fundamentais: primeiro, o homem que participou da máquina assassina que levou todo um povo à morte é um ser-humano normal, um simples operário do Estado, alguém que estava cumprindo ordens, um funcionário público – alguém que lançou sobre o Estado a sua responsabilidade pessoal de refletir e de sentir: a moral humana foi trocada pela moral do Estado. Aqui, quero explicitar a lição que aprendi ao deparar-me com isso que ela chama de a banalidade do mal: há uma esfera da existência humana em que Deus não permitiu – e nem permite – que nos “refugiemos” nEle – a esfera de nossa própria responsabilidade! Segundo ponto observado por Arendt em seu livro, desmitifica outra estupidez geral perpetrada pela mídia e livros de história: o Holocausto vendido como simplesmente um crime alemão! A observação de Hannah por todo o processo de julgamento de Eichmann expõe a verdade que levou ao veredito óbvio, populista, cheio de irregularidades e que findou por esconder os verdadeiros criminosos: o Holocausto foi um crime Europeu. Ninguém defendeu os judeus – nem a esquerda europeia! Todos os países da Europa “fecharam seus olhos” e enviaram à Alemanha e a outros campos criados pelos nazistas os seus próprios judeus. Todos participaram. Todos assassinaram. O criminoso “alemão louco” não ajuda em nada a causa judaica, apenas esconde o mal que habita dentro de toda raça humana. O “alemão louco” é uma caricatura, um mito, o vilão criado para que eu não tenha que assumir a minha culpa neste processo, mas fica o alerta: “cada crime precisa de um criminoso de carne e osso, do contrário negamos a responsabilidade humana”!

Enfim, são muitos temas surpreendentes levantados por Hannah em seus dois livros, contudo um tema também me instigou por revelar o que há por trás de “nossas boas ações”: os nazistas estavam sendo julgados porque assassinaram seres humanos ou porque destruíram uma cultura? Ora, os ciganos também foram devastados, mas não vemos tamanha comoção em relação a este grupo. Esta lógica macabra é a mesma que preserva culturas indígenas que assassinam crianças recém-nascidas em nome de alguma crença cultural e é também a mesma lógica que rege o aborto – a cultura feminista acima da dignidade da vida humana. Quando o ser humano é sacrificado no altar da cultura, então estamos diante de uma nova religião, de um novo deus e de uma terrível idolatria. Para Hannah Arendt, a comoção mundial ao Holocausto judeu se deve ao fato de terem destruído uma cultura milenar e não pala razão de terem assassinado seres humanos!

Cheguei até aqui apenas com a intenção de sugerir um filme sobre o Holocausto. Um filme sem caricaturas de alemães sádicos, mas com gente de carne e osso, assassinos de carne e osso, pessoas que entram no Estado e se veem como uma peça do sistema burocrático amoral. O filme é “O menino do pijama listrado” - um filme poético e assombroso. Aqui, ao contrário de "A vida é bela" a inocência da infância não é perdoada diante do peso da realidade engendrada pelo mundo dos adultos.

Carl Jung, sincronicidade e a barata

Há muitos anos, eu li dois livros que impressionaram profundamente minha psiquê, deixando marcas indeléveis. São eles “Freud e Jung – sobre a religião” e “Resposta a Jó”. Este causou-me escândalo pela forma como abordou a Bíblia e o cristianismo e aquele me chamou a atenção pela exposição didática com que tratou o tema que dividiu Freud e Jung.

Dois livros que, obviamente, são frutos do seu tempo, ou melhor, que representam a racionalidade iluminista do homem europeu e sua posterior derrocada. Freud representa o homem moderno na sua escolha pela razão e em sua preocupação científica em delimitar suas pesquisas fazendo um recorte na tez do mundo físico: um homem marcado pela filosofia de Descartes, Hegel e Spinoza. Essa mentalidade do Idealismo forjou perenemente o perfil de Freud e seus estudos, além de explicar a gênese da ruptura entre ele e Carl Jung. Por sua vez, a Psicanálise desenvolvida por Jung trouxe ao divã aquilo que os racionalistas rejeitaram: o poder da religiosidade do ser humano. Todavia, não posso me furtar a dizer que a cena mais impactante do livro “Freud e Jung – sobre a religião” foi a narrativa ali feita sobre um sonho que Jung tivera. Ele sonhara que Deus vinha caminhando num campo, um Deus gigante e que se depara com uma basílica, uma igreja cristã e, então, Deus se posiciona sobre a igreja, desce as calças que vestia, coloca-se de cócoras e defeca sobre ela...

Freud defendia que a causa das neuroses encontrava sua gênese na sexualidade, ou melhor, na repressão da libido humana. Insatisfeito em limitar todas as explicações a este campo, Jung começa a questionar seu professor se não poderia haver outras razões escondidas no campo das religiões, dos mitos e da parapsicologia, por exemplo (Carl Jung buscava orientar suas pesquisas na direção do Oculto, interessava-se por sessões mediúnicas e por precognição). Tudo isso, entretanto, era um verdadeiro absurdo para Freud. Enfim, enquanto Freud permaneceu no campo do provável, coube a Jung abrir as portas da percepção da ciência psicanalítica rumo ao improvável. Em “Resposta a Jó”, Jung nos apresenta um Deus – Javé – destituído de consciência, um Deus amoral! Um Deus que, na verdade, aprende com Jó e com os sofrimentos humanos, um Deus construído, um símbolo. Javé é analisado como um Deus que, junto com os homens, “quer fugir da injustiça cega”. E a grande epifania de Deus, para Jung, foi quando a Igreja Católica Romana decreta o dogma da Imaculada Conceição, elevando Maria à semelhança de um deus e entregando a Javé aquilo que lhe faltava: Maria era a Sofia do AT, a peça fundamental para equilibrar a masculinidade e o patriarcalismo da Santíssima Trindade. Diante desta pequena amostra das ideias desenvolvidas no livro de Jung, não é mera coincidência que a Europa apresente hoje um pós-cristianismo que, na verdade, é muito mais um renascer do antigo panteísmo. A decadência da modernidade freudiana é o advento de um panenteísmo pós-moderno revelado pela psicanálise de Jung no inconsciente de todos nós. Eis, então, dois livros que nos servem de ilustração para compreendermos os eventos ocorridos nos últimos dois séculos na Europa e que se estendeu ao Ocidente: a Modernidade e a Pós-modernidade! 

Por estes dias, assisti ao filme “Um método perigoso”, que narra exatamente este período de encontro e desencontro entre Freud e Jung e também a paixão intempestiva entre Jung e uma paciente sua, Sabina Spielrein, que se tornará mais tarde psicanalista, especializada em psicologia infantil. Há uma cena nesse filme que ilustra bem o que eu expliquei no parágrafo anterior. Jung questiona Freud se tudo teria que se restringir à sexualidade e se não se poderia pesquisar a metafísica, a parapsicologia, etc. Freud reage frontalmente a essa posição, mas, precisamente naquele momento da discussão entre os dois, o móvel da Biblioteca da casa de Freud dá um grande estalo. Jung diz ao seu professor que sabia que isso iria ocorrer, porque, nas palavras de Jung, enquanto Freud estava reagindo às suas ideias, ele sentira um fogo, uma queimação em seu estômago. Freud, compreendendo que tudo não passara de mera coincidência, ficou escandalizado com as ideias de seu pupilo, contudo Jung insistiu dizendo que o estalo iria acontecer de novo. Dito e feito! Mal terminara de falar, um novo estalo ocorre diante de Freud em sua estante de livros. Posteriormente, numa carta a Jung, Freud atribui o ocorrido a uma enganação, uma farsa forjada por Jung para desmoralizá-lo. 

Para Freud, tudo não passava de meras coincidências. Para Jung, coincidências não existiam. As coisas estão todas ligadas; os fatos que não tem conexão aparente estão conectados, assim como havia pessoas que se percebiam convergir em direção a outras por “coincidências” que denunciavam uma unidade espiritual entre elas e a isso Jung dá o nome de sincronicidade. E é com uma ilustração deste conceito junguiano que encerro este meu texto. Após assistir ao filme “Um método perigoso”, fui à biblioteca da minha casa rever os dois livros que abordei aqui. Ao sair da biblioteca, passei pelo quarto das minhas filhas e vi que, encostada à porta, havia uma enorme barata. Peguei a sandália e aproximei-me bem devagarinho. Num gesto típico dos que tem ódio desses seres nojentos, desferi contra ela uma pesadíssima sandaliada. Depois, ergui a sandália e pude ver a famigerada totalmente destruída, esmagada e com seus líquidos viscosos e brancos espalhados pelo chão. Fui ao banheiro pegar o papel higiênico e retirá-la dali, lançando-a à privada. Porém, para minha surpresa, ao retornar alguns segundos após ter saído da cena de meu crime, aquela barata enorme havia simplesmente... sumido! Procurei atrás da porta, pelo quarto, debaixo das camas, ainda que eu soubesse que aquela busca era em vão, porque vira aquele bicho ser totalmente destruído pela violência do meu golpe. A barata desaparecera... ou, talvez, nunca existira. Teria sido precognição ou sincronicidade? Simples coincidência? Tudo isso acontecendo logo naquela manhã em que eu acabara de ler que Jung costumava sentar à mesa da sua sala, passando longas horas conversando com fantasmas... 

A mística do jogo

Alieksei morre. Não a morte de todos os homens, mas a que se impinge sobre todos aqueles que caem nas armadilhas da mística de quaisquer vícios que tentam nos ludibriar.

Alieksei se entrega às ganas do pano verde. Entre os números vermelhos e os pretos da roleta, nosso personagem encanta-se pela mística do jogo. Esta é um fervor, um fanatismo, uma concupiscência dos olhos, da carne, do espírito...

Em algum momento, há em nós esse desejo de nos tornarmos deuses; controlarmos o que está totalmente fora do nosso controle. As mãos tremem, a boca seca, os músculos do rosto se contraem e algo em nossos estômagos se lança sobre o altar de sacrifício, à mesa de pedra, à roleta do jogo: “que fisionomias ávidas e transtornadas”! - analisa Alieksei, observando os jogadores.

Criatura semelhante ao seu criador, Alieksei - protagonista de “O Jogador” - nos revela o mundo que aprisionava Dostoiévski: a roleta, o jogo, os cassinos alemães do século século XIX. Dostoiévski se rendeu à mística das noites e dias insones daqueles templos. Dívidas e mais dívidas soterraram nosso genial romancista russo que esvaziava suas burras diante do croupier. Nosso protagonista chega ao fim do livro, repetindo aquilo que é a frase comum aos que sucumbem à qualquer vício: “Amanhã, amanhã, tudo isso terá terminado”!

A alma humana, toda alma humana, diz-nos Dorian Gray (Oscar Wilde), pode ser vendida, trocada, barganhada. “O jogador” é uma ilustração dessa sentença. Os personagens que rodeiam Alieksei interagem entre si como num jogo. Todos arriscam seus lances, blefam, recuam, avançam, ganham, perdem no pano verde da vida. Todos têm seu preço.

O general que aguarda ansioso a morte de Babuschka para receber a herança desta. Mlle. Blanche, que domina o general (e os homens) com suas promessas de fazê-los ver estrelas, aguarda um que lhe dê a segurança financeira que necessita. Des Grieux empresta a juros e controla vários viciados por detrás da cortina da história, inclusive era credor do general. Babuschka mesmo sabe dos abutres que só esperam vê-la morrer para se apoderarem de sua fortuna; mas ela, então, vem ao Cassino e arrisca todos os seus florins para o desespero dos que, de alguma forma, dependiam da herança dela.

Mas havia também Paulina com quem Alieksei estabelecera uma relação de servilismo. E esta é a bancarrota do protagonista de Dostoiévski: sucumbe ao jogo e não à amada. Pois o amor é apenas um lance de sorte, mais um item a ser manipulado sobre o pano verde. Pauline não se entrega ao nosso personagem, embora o ame, por ter ela também seus próprios interesses e dívidas a resolver. Assim, nessas tramas da vida, que se torna o croupier de todos os personagens, eles se apresentam como jogadores: alguns com seus caderninhos nas mãos, fazendo cálculos matemáticos na tentativa de adiantar o próximo lance; outros, como Alieksei, são impetuosos e irresponsáveis, arriscando o próprio coração. Na mesa de jogo, todos escondem suas verdadeiras intenções e motivações; na vida, também.

Dostoiévski teve sorte melhor do que seu personagem. Aliéksei sonha com uma ressurreição que não acontece; Dostoiévski, embora mergulhado na mais terrível miséria por causa das dívidas de jogo, amargando mesmo a pobreza e a quase demência, vê-se resgatado pelo amor de Ana Grigorievna e pelos romances que escreveu às pressas “tendo os credores a bater em sua porta”. Na verdade, Ana era uma jovem estenógrafa de apenas 21 anos de idade e que o ajuda datilografando os livros que ele dita para ela. As dívidas são exorbitantes e o tempo para a entrega dos livros exíguo. A nova contratada, admiradora da obra do escritor russo, encanta-o.

Dostoiévski aproxima-se de Ana expondo a ideia de um novo romance a ser escrito. Dostoiévski diz que gostaria de escrever “sobre um romancista velho e doente, que deseja casar-se com uma jovem cheia de vida. “Mas”, pergunta ele a Ana, “não será inverosímel dizer que essa jovem o ama?” Ao que Ana responde ao escritor russo: “Eu lhe diria que o amo e vou amá-lo a vida inteira”. Foi o modo como ele, 25 anos mais velho do que ela, propôs casamento à mulher que andara buscando a vida toda e finalmente encontrara”.

O Assassinato de Roger Ackroyd (***)







Agatha Christie
Editora Globo
296 Páginas





"Em uma noite de setembro, o milionário Roger Ackroyd é encontrado morto, esfaqueado com uma adaga tunisiana – objeto raro de sua coleção particular – no quarto da mansão Fernly Park na pacata vila de King’s Abbott. A morte do fidalgo industrial é a terceira de uma misteriosa sequência de crimes, iniciada com a de Ashley Ferrars, que pode ter sido causada ou por uma ingestão acidental de soníferos ou envenenamento articulado por sua esposa – esta, aliás, completa a sequência de mortes, num provável suicídio. Os três crimes em série chamam a atenção da velha Caroline Sheppard, irmã do dr. Sheppard, médico da cidade e narrador da história. Suspeitando de que haja uma relação entre as mortes, dada a proximidade de miss Ferrars com o também viúvo Roger Ackroyd, Caroline pede a ajuda do então aposentado detetive belga Hercule Poirot, que passava suas merecidas férias na vila. Ameaças, chantagens, vícios, heranças, obsessões amorosas e uma carta reveladora deixada por miss Ferrars compõem o cenário desta surpreendente trama, cujo transcorrer elenca novos suspeitos a todo instante, exigindo a habitual perspicácia do detetive Poirot em seu retorno ao mundo das investigações. O assassinato de Roger Ackroyd é um dos mais famosos romances policiais da rainha do crime."

Meridiano de Sangue (****)










Cormac McCarthy
Alfaguara
352 Páginas





"Meridiano de sangue é um romance épico. Nele, McCarthy reinventa a mitologia do Oeste americano para criar uma obra ao mesmo tempo grandiosa e arrebatadora sobre uma terra sem lei, em que o absurdo e a alucinação se sobrepõem à realidade. Desde as primeiras páginas, o leitor acompanha um rapaz sem nome e sem família, abandonado à própria sorte num mundo brutal em que, para sobreviver, precisa ser tão ou mais violento que seus inimigos. Recrutado por uma companhia de mercenários a serviço de governantes locais, atravessa regiões desérticas entre o México e o Texas com a missão de matar o maior número possível de índios e trazer de volta seus escalpos. McCarthy parte de fatos reais - a caçada aos índios, o destacamento de assassinos liderado pelo sanguinário John Joel Glanton - para compor uma obra que transcende a mera ficção histórica. Conduzidos por Glanton e o juiz Holden - uma figura quase sobrenatural, e um dos grandes personagens da literatura americana no século XX -, esses homens, que julgam já terem visto todos os horrores possíveis, irão aos poucos se aprofundar no verdadeiro inferno."



O Voo do Corvo (**)







Jeffrey Archer
Bertrand Brasil
600 Páginas





"O inicio dos negócios de Charlie Trumper se dá ao lado de seu avô, vendendo verduras e frutas em um carrinho de mão. A partir daí, o comerciante lutará para criar "O Maior Carrinho do Mundo", enfrentando uma guerra, encontrando o amor e descobrindo um misterioso e poderoso inimigo"

A escuridão da alma ou Tonio Kröger (***)







Thomas Mann
Cia das Letras
82 Páginas






"O volume traz ainda Tonio Kröger, narrativa de 1903 que Thomas Mann declarava ser uma de suas favoritas. A novela tem diversos traços autobiográficos e está centrada na relação entre artista e sociedade, um tema muito caro à obra de ficção do escritor, sobretudo nos primeiros trabalhos."


A Vida Peculiar de um Carteiro Solitáro (***)









Denis Thériault
Editora Leya
128 Páginas



"Cartas, poesia e um amor inesquecível. Bilodo vive a tranquila vida de um carteiro sem muitos amigos nem grandes emoções. Completa diariamente seu percurso de entrega e retorna sempre à solidão de seu pequeno apartamento em Montreal. Mas ele encontrou uma excêntrica maneira de fugir dessa rotina: aprendeu a abrir as correspondências alheias sem deixar rastros e passou a ler as cartas pessoais com as quais se depara. E foi assim que ele descobriu o primeiro grande amor de sua vida: a jovem professora Ségolène, que mantém uma misteriosa correspondência com o poeta Gaston, composta somente por haicais. Instigado pela elegância e simplicidade de seus versos, Bilodo se vê cada vez mais fascinado por essa forma de poesia. Mas quando é confrontado com a perspectiva de se ver privado das cartas de Ségolène, ele precisa tomar uma decisão que pode levá-lo mais longe do que podia imaginar. Talvez seja hora de compor seus próprios poemas de amor. “Peculiar e charmoso com um desfecho bem executado , esta novela traz à mente nada menos do que um Kafka apaixonado” The Guardian".











O Juiz e seu Carrasco (***)





Friedrich Dürrenmatt
L&PM Pocket
108 Páginas



"Em uma cidadezinha suíça, um policial exemplar é encontrado morto. Bärlach, um velho e doente comissário, amante de cigarros, de vodca e da boa mesa, investiga essa morte – ao mesmo tempo em que luta contra a sua própria, que parece cada vez mais próxima. Enquanto a polícia se vê às voltas com figurões locais, oficiais oportunistas tentam subir na carreira, e Bärlach faz as suas arriscadas jogadas. Na sombra, o assassino, um tipo maquiavélico, disserta sobre o bem e o mal, que ele considera possibilidades iguais...

Tendo como mote principal uma intriga policial, O juiz e seu carrasco, uma das obras mais conhecidas do escritor suíço Friedrich Dürrenmatt (1921-1990), trata, na verdade, num tom sarcástico, da tragédia da morte e da doença, da risível comédia humana. Uma pequena obra-prima à altura dos mestres Dashiell Hammett, Rex Stout, Raymond Chandler e Georges Simenon."


Frankenstein ou o Prometeu moderno (***)









Mary Shelley
Editora Penguin
424 Páginas



"O arrepiante romance gótico de Mary Shelley foi concebido quando a autora tinha apenas dezoito anos. A história, que se tornaria a mais célebre ficção de horror, continua sendo uma incursão devastadora pelos limites da invenção humana. Obcecado pela criação da vida, Victor Frankenstein saqueia cemitérios em busca de materiais para construir um novo ser. Mas, quando ganha vida, a estranha criatura é rejeitada por Frankenstein e lança-se com afinco à destruição de seu criador. Este volume inclui todas as revisões feitas por Mary Shelley, uma introdução da autora e textos críticos de Percy B. Shelley e Ruy Castro. Há ainda um apêndice com textos de Lorde Byron e do dr. John Polidori."


Mulher no Escuro (*)









Dashiell Hammett
L&PM Edições
104 Páginas



"Numa noite escura, uma jovem mulher surge do nada, assustada e ferida, buscando refúgio em uma casa isolada. O homem que ali mora a acolhe, mas ele não está preparado para lidar com a misteriosa desconhecida, nem com os homens que a perseguem."


Confissões de um jovem romancista - Umberto Eco


“Confissões de um jovem romancista”, de Umberto Eco, é uma armadilha. Não leia! São quatro ensaios que fisgam você, leitor desavisado, com o intuito de fazer com que você se apaixone pelo autor (ou se apaixone mais ainda) e fazer com que você deseje descontroladamente ler seus romances (ou reler)!

Reler seus romances... Durante a leitura encantada desse pequenino livro de apenas 152 páginas, dei-me conta que nunca lera os romances de Umberto Eco. Apenas lera seus textos técnicos de Semiótica e linguística. Nunca? Claro que li. Há muito tempo, li Baudolino e a A misteriosa chama da Rainha Loana. Mas... nunca li mais nada de seus romances. Nem o primeiro e mais famoso deles, O nome da rosa. Vi o filme. Mas nunca li o livro! Como pode ser? 

A lista dos romances de Umberto Eco (sequestrada na wikipedia) começa no O nome da rosa (Il nome della rosa, 1980), seguido de O Pêndulo de Foucault (Il pendolo di Foucault,1988); A ilha do dia anterior (L'isola del giorno prima, 1994); Baudolino (Baudolino, 2000); A misteriosa chama da rainha Loana (La misteriosa fiamma della regina Loana, 2004); O Cemitério de Praga (Il cimitero di Praga), 2011; e seu último romance, O número zero, 2015.

Da lista do parágrafo anterior, apenas li dois livros e o livro que apresento aqui, uma explicação deliciosa de como eles foram urdidos pelo autor, dá essa vontade doida de parar tudo o que a gente está fazendo e colocar em dia essa lista de romances. Que vergonha confessar aqui a minha queda nessa armadilha... Já baixei O nome da rosa no meu kindle... Meu Senhor, sinto que estou iniciando uma longa jornada de leitura nos romances do meu professor de semiótica predileto! Ai, preciso organizar meu tempo em listas, citar meus segundos, minutos, somar as chances, meus ensejos, ocasiões e oportunidades e tomar a decisão prazerosa de acordar uma hora mais cedo e dormir uma hora mais tarde! rsrsrs

Mas quais os livros de Umberto Eco que eu li? Como disse, exatamente aqueles que tratam da semiótica. A lista é bem maior dos escritos dele nas áreas da filosofia, linguística e arte (lista sequestrada da wikipedia):

Obra aberta (1962)
Diário mínimo (1963)
Apocalípticos e integrados (1964)
A definição da arte (1968)
A estrutura ausente (1968)
As formas do conteúdo (1971)
Mentiras que parecem verdades (1972) (coautoria de Marisa Bonazzi)
O super-homem de massa (1978)
Lector in fábula (1979)
A semiotic Landscape. Panorama sémiotique. Proceedings of the Ist Congress of the International Association for Semiotic Studies (1979) (coautoria de Seymour Chatman e Jean-Marie Klinkenberg).
Viagem na irrealidade cotidiana (1983)
O conceito de texto (1984)
Semiótica e filosofia da linguagem (1984)
Sobre o espelho e outros ensaios (1985)
Arte e beleza na estética medieval (1987)
Os limites da interpretação (1990)
O signo de três (1991) (coautoria de Thomas A. Sebeok)
Segundo diário mínimo (1992)
Interpretação e superinterpretação (1992)
Seis passeios pelos bosques da ficção (1994)
Como se faz uma tese (1995)
Kant e o ornitorrinco (1997)
Cinco escritos morais (1997)
Entre a mentira e a ironia (1998)
Em que creem os que não creem? (1999) (coautoria de Carlo Maria Martini)
A busca da língua perfeita (2001)
Sobre a literatura (2002)
Quase a mesma coisa (2003)
História da beleza (2004) (organização)
La production des signes (2005 em francês)
Le signe (2005; em francês)
Storia della Brutezza (2007). Em Portugal, traduzido como História do feio, e, no Brasil, como História da Feiura.
Dall'albero al labirinto. No Brasil, como Da Árvore ao Labirinto (2007)
A vertigem das listas (2009)
Não contem com o fim do livro (2010) (co-autoria de Jean-Claude Carrière)
História das Terras e Lugares Lendários (2013)

Se eu não me engano, da lista acima, li apenas os livros que estão em destaque. Parece que citei pelo menos 4 listas só neste meu texto: 1) a lista dos romances escritos por Umberto Eco; 2) a lista dos romances que li; 3) a lista dos ensaios escritos; e, finalmente, a lista dos ensaios que li. Obviamente, que surgem outras duas listas negativas aqui, pois para cada lista criada do que li, subentende-se uma outra feita dos que não li. Poderia fazer mais listas: 1) os romances que quero ler de Umberto Eco; 2) os romances que não faço questão de ler (mentira, esta lista não existe); 3) os ensaios que anseio desfrutar; 4) os ensaios que jamais lerei (mentira, esta lista também não existe, a não ser que eu morra antes de cumprir a tarefa). Que outras listas posso fazer? Dos ensaios que li, quais que mais gostei? Isto seria uma outra lista também. 

Enfim, por que estou fazendo isso? Por que estou criando essas infinitas listas? O último ensaio do livro “Confissões de um jovem romancista” é precisamente sobre o prazer do autor em ler e fazer listas. E devo confessar: é uma delícia viciante! Boa leitura!

A mulher sem pecado (Nelson Rodrigues)


A 1ª peça de teatro publicada por Nelson Rodrigues. E na esteira dessa leitura tenho lido todas as demais peças desse que foi chamado de tarado, anjo pornográfico e até de “o Marquês de Sade dos Trópicos”!

Esta peça em 3 atos já anuncia tudo aquilo que ainda será tratado em profundidade por Nelson Rodrigues: incesto, traição, hipocrisia, loucura, patologia e psicopatias mil! Todos esses temas e muitos outros afloram dos textos de Nelson. Se eu gostei desta peça? Amei! Vi nela todas as nossas doenças encobertas pelo véu de nossas hipocrisias.

O que aprendo com o Nelson? Teologicamente, a constatação teatral de nossa natureza totalmente depravada. Politicamente? Artisticamente? Que nada é neutro, nem à esquerda e nem à direita! Somos todos pecadores.

Assim como ocorreu no último livro cristão conservador que li, Pensamentos secretos..., que mostra que há uma direita religiosa que carece de ser evangelizada, agora em Nelson Rodrigues, vejo que há uma direita que pode se apresentar fora do pacote direitista! Por mais contraditório que pareça, mas a direita brasileira sofre da mesma mentalidade de pacote imposta pela esquerda: ou você compra o ideário completo do menu ou você será tratado como “esquerda infiltrada”!

Nelson Rodrigues é um desses que não se deixa limitar pelas “definições definidas”, rótulos cerceadores, conceitos impostos. Artisticamente, ousou explorar a sexualidade pervertida em suas peças, mas, para a surpresa de muitos, fora de seus textos era um conservador, anticomunista e defensor das tradições e costumes da família brasileira. Há uma explicação? Há! Todavia, tratarei de esmiuçar Nelson Rodrigues noutro texto.

Agora limito-me a dizer que tanto Nelson Rodrigues como Gilberto Freyre foram conservadores, anticomunistas, todavia execrados e deixados de lado intelectualmente tanto pela esquerda como pela direita (ou pela burguesia, como gostava de dizer o próprio Nelson). E mesmo como conservadores e admiradores um do outro, Nelson Rodrigues e Gilberto Freyre tinham visões de mundo diferentes sobre a formação do homem brasileiro e nossa antropologia nacional. E aqui é um dos pontos que me chama a atenção em Nelson. Enquanto que para Gilberto Freyre, o Brasil era uma democracia racial, Nelson Rodrigues via no Brasil um país totalmente racista, onde até o negro não gosta do negro (leia a assustadora peça “O anjo negro”)!

O Brasil tem sido dominado, recentemente, por um “avivamento conservador”. Muitos têm se colocado como de direita e apresentado suas ideias em oposição às postulações da hegemônica esquerda brasileira. O que venho observando, contudo, é que dentro desse movimento “conservador” quem não fecha o pacote não pode ser considerado parte desse grupo. Assim, um seleto grupo de “católicos monarquistas” têm se apresentado como os únicos verdadeiros representantes de uma legítima direita conservadora. Outros restringem o pensamento conservador aos usos e bons costumes de uma elite, de uma aristocracia, de um modelo de família e comportamento como critérios para se determinar quem é isso ou quem é aquilo.

É em meio a essa cultura do arroto que vejo hoje no Brasil, de um arroto conservador, que encontro no passado recente dois personagens, Nelson Rodrigues e Gilberto Freyre, que teriam sido lançados no ostracismo por essa nossa direita de facebook, se hoje estivessem produzindo as obras produzidas naquele tempo. Enfim, temos muito o que aprender, porque, nas palavras de um sábio indígena amigo meu, “posso ser o que você é sem deixar de ser quem eu sou” – eis uma preciosa lição a uma direita que só aceita o que for espelho. Viva Nelson Rodrigues!

Pensamentos secretos de uma convertida improvável (Rosária Champagne Butterfield)

“Pensamentos secretos de uma convertida improvável” é um livro que me levou diversas vezes, durante a leitura, de volta ao tempo da minha faculdade em Brasília e, mais precisamente, à época da minha conversão. Não apenas porque o ambiente da nossa conversão foi semelhante, ambos estávamos na Academia, ela como professora e eu como aluno, mas também o ambiente sexual em que andávamos era parecido.

Na verdade, como os livros que leio me levam a muitas reflexões pessoais, tanto sobre o meu trabalho missionário como sobre minha vida pessoal também, não consigo escrever sobre algo sem compartilhar como que aquela leitura me atingiu. Escrevo para não esquecer os diálogos que tive com o livro: o que concordei, o que não concordei, o que mudou dentro de mim e o que vai ser diferente dali para frente. Livros causam isso em mim.

Por que estou escrevendo isso? Porque, seguindo a linha do que disse no parágrafo anterior, escrevi uma resenha (será que posso chamar esses escritos de resenha?) de duas folhas sobre este livro. Contudo, apaguei tudo! Por duas razões. A primeira porque muitas ideias que escrevi e que foram instigadas pela leitura do livro, mesmo que fossem coisas que já vinha pensando há um certo tempo, são reflexões ainda muito cruas. A segunda razão é que me vi escrevendo coisas muito, muito pessoais, porque, como disse, o ambiente de conversão da autora do livro foi muito semelhante ao meu. E mesmo que eu tenha uma facilidade enorme de escrever sobre minha própria vida (certa vez, alguém me disse isso sobre as coisas que eu escrevo), de repente, me fiz a mesma indagação da Rosária no livro: por que escrever sobre a nossa própria vida?

Escrever sobre nós mesmos é sempre um risco. Quem fala de si se torna vulnerável e se coloca na mão de pessoas estranhas. Mesmo os cristãos são muito estranhos. A autora teve que enfrentar igrejas que a colocaram de lado e que não receberam o marido dela como pastor, por causa da vida pregressa dela. Você acredita nisso? É como se as igrejas recusassem a Zaqueu por ter sido corrupto ou a Paulo por ter sido assassino. Igrejas e pessoas que se dizem cristãs!!!

Hoje já vivi o suficiente no meio evangélico para entender como, infelizmente, o sistema funciona em muitos desses “lugares de Graça”. Eu mesmo ouvi, nestes dias, um líder de uma igreja falar do prejuízo que é quando a igreja local recebe pessoas convertidas que vêm do mundo. Isso mesmo que você está lendo!!! Na ótica dele, nós que viemos do mundo e não fomos criados dentro da Igreja trazemos muitas coisas complicadas para as igrejas locais... Para ele, e ele me disse isso com todas as letras, a igreja deve crescer vegetativamente! É o mais saudável para ela!

Eu queria ter nascido numa família evangélica. Queria ter sido ensinado desde criança no caminho em que deveria andar. Eu tenho uma inveja santa de quem nunca conheceu o mundo, sendo abençoado pela educação na igreja. E tenho também um orgulho, orgulho mesmo, das minhas filhas que estão tendo o que eu não tive: uma família da Aliança! Sempre digo que, se eu soubesse que a vida com Cristo é que é vida de verdade, eu teria me convertido muito, mas muito antes! Todavia, obviamente, Deus não quis que fosse assim.

Rosária escreve isso no livro (e hoje eu sei que é verdade), que muitos crentes não querem saber do que Cristo fez por nós, enquanto outros, dentro das igrejas, querem apenas usar desses testemunhos como propaganda de suas denominações, mas não nos querem convivendo entre eles. Por outro lado, há os mercenários adoradores de si mesmos, eu sei, e que buscam holofotes, usando as igrejas como palcos de um circo de horrores para divulgação bizarra de si mesmos. Tudo isso é muito sério e fala muito sobre o tipo de igreja que temos plantado. O que me leva a entender ainda mais que não só a esquerda materialista e pragmática precisa ser evangelizada, mas, indubitavelmente, há uma direita religiosa e hipócrita que, de fato, não conhece a Graça de Deus - e essa exposição é um dos pontos altos do livro para mim!

O livro da Rosária me fez pensar muito em muitas coisas. Muitas que não convém falar sobre elas ainda. Outras que me ajudaram a entender melhor problemas importantes que acontecem no meio missionário, mas, pelo menos por enquanto, também devo guardar no meu coração somente. Assim, fica o convite para que você possa ler esse livro desafiador e que o Espírito Santo sopre sobre você como tem soprado sobre mim e sobre a minha família.

Para adquirir o livro: 
https://editoramonergismo.com.br/products/pensamentos-secretos-de-uma-convertida-improvavel

Henderson, o Rei da Chuva (*)




Saul Below
Cia das Letras
456 Páginas


Eugene Henderson é um homem complexo e em plena crise de meia-idade, o que agrava um temperamento turbulento de tendências suicidas. Riquíssimo, descendente de figuras de proa da história dos Estados Unidos, ex-combatente da Segunda Guerra ferido e condecorado, depois de dois casamentos e um punhado de filhos, de conflitos com parentes e vizinhos, de dores de dente crônicas e de incontáveis bebedeiras, ele decide romper com seu passado e empreender uma virada existencial. Parte então para a África, em busca de um novo sentido para a vida. Animado pelo desejo de fazer o bem em meio a tribos afastadas do contato com a civilização moderna, Henderson primeiro se fixa entre os Arnewi e depois entre os Wariri, povos contrastantes que só possuem em comum uma crônica falta de água para a lavoura e o gado. 

Demonstrando um extraordinário domínio da narração em primeira pessoa, Bellow relata pela voz ao mesmo tempo exasperada e divertida do próprio Henderson os desajustes entre o racionalismo pragmático do personagem e uma África exótica, remota e insondável. Com alguma licença, as aventuras do voluntarioso protagonista podem ser lidas como uma variação irônica e bem-humorada, mas não menos humana, do confronto entre a civilização ocidental e a África selvagem encenado por Joseph Conrad em Coração das trevas .


Porasy e Jegwaká - Vânia P. S. Hu'yju

Tenho tido o privilégio de, há mais de 6 anos, dar uma disciplina que visa a formação e capacitação de missionários transculturais: “Comunicação Transcultural e Contextualização”. E em determinado ponto da disciplina sempre oriento os alunos a olharem para as artes, as expressões artísticas do povo para ouvir delas a cosmovisão que o povo tem acerca da vida.

Assim que cheguei ao Xingu (não como missionário e nem como Pastor, porque não se entrava lá dessa maneira) como professor de Gramática da Língua Portuguesa, um indígena que logo se tornou um grande amigo veio me mostrar um livro com os mitos da Região. Folheando as páginas cheias de gravuras, de repente ele aponta o dedo e diz este é o “Jesus dos brancos”. Ao ouvir isso, fiquei com cara de abestalhado, mas não disse nada, apenas pedi o livro emprestado. Em casa, busquei a gravura que ele havia apontado e a história que estava ali. A gravura e a história se referiam a Taungue, um indígena mítico, cujas histórias de fundação do povo giravam ao redor dele. O problema é que Taungue era mentiroso, trapaceiro e enganador naquelas narrativas míticas da cultura. Como, então, associaram ele a Jesus? Eu tenho minhas teorias...

Mas o que quero, de fato, compartilhar é que é fundamental no contato com o outro e sua cultura a descoberta desses elementos: literatura, pintura, artesanato em geral, etc. Eles significam! E se queremos apresentar o Evangelho de uma maneira que o outro compreenda e, ao mesmo tempo, minimizando o sincretismo o máximo possível, o missionário deve fazer o dever de casa de conhecer a cosmovisão do outro antes de apresentar-lhe o Evangelho. Daí, danças, ritos, narrativas míticas e tudo o mais deve vir aos olhos e ser estudado com carinho pelo missionário, pois é esse material que nos dará a percepção até mesmo do que na cultura do outro pode ser uma porta aberta para a má compreensão do Evangelho (como é o caso de Taungue, por exemplo).

Neste ponto, quero apresentar dois livros interessantíssimos que vieram às minhas mãos: “Porasy e os estranhos seres da Mitologia Guarani” e “Jegwaká – o clã do centro da terra”, ambos da Professora Vânia P. S. Hu’yju. O primeiro é um romance envolvente a partir das narrativas do avô de Porasy sobre os antigos seres de sua mitologia, mas que, aos poucos, deixam de ser meros seres mitológicos e tomam lugar no dia a dia da jovem menina. “Jegwaká” é sob a perspectiva narrativa de três crianças enviadas pelos deuses: Avá Verá, Kunhã Rendy e Mitã Rory. A partir dos acontecimentos da vida das três crianças somos apresentados ao estilo de vida e à cosmovisão Guarany. O animismo – cosmovisão preponderante nos povos tribais de todo o mundo – é mostrado em todo seu colorido e ambos os livros nos dão essa oportunidade de enxergar o mundo com os olhos do povo Guarany. Duas obras indispensáveis para quem deseja trabalhar com esses povos. Os dois livros se encontram na Amazon em formato de e-book.     

Comunicação e Cultura - Ronaldo Lidório

Nos anos em que trabalhei com o povo Kalapalo, no Parque Indígena do Xingu, tive a oportunidade de ir àquele trabalho logo após o curso do CLM (Curso de Linguística e Missiologia) da Missão ALEM (AssociaçãoLinguística Evangélica Missionária). Sobre o tempo em que estivemos envolvidos especificadamente com os povos do Xingu, tenho narrado essas histórias do nosso contato com eles no Blog Morávios (clique aqui).

Além da formação do CLM, um curso intensivo de um ano para preparar o missionário a trabalhar com povos agrafes, desenvolver um alfabeto, uma ortografia para o povo, alfabetizá-los na própria língua materna e, então, começar o trabalho de tradução da Bíblia, havia o material original do curso CAPACITAR para dar uma formação mínima nas áreas de linguística, antropologia e missiologia. Deste material do CAPACITAR, tive a oportunidade de soma-lo ao que havia reunido no CLM e saí para o Campo Missionário. Na esteira do que estava sendo produzido naquela época, surgiram dois livros do Lidório: “Plantando Igrejas” e “Antropologia Missionária”. Ambos com uma perspectiva Reformada da área de missiologia.

Todavia, a Editora Vida, em 2014, lança o “Comunicação e Cultura” como um resumo e adaptação do que Lidório vinha trabalhando nos últimos anos. Todos os assuntos desenvolvidos por ele, mas agora reunidos em um único livro, que vem com o seguinte subtítulo explicativo na capa: “A Antropologia aplicada ao desenvolvimento de ideias e ações missionárias no contexto transcultural”. E o livro cumpre exatamente este papel. Assim, depois de todos esses anos e após a experiência no Xingu, me vi relendo este novo livro, mas com olhos no passado e no futuro. No passado, porque me vi recordando que tive o privilégio de trabalhar todo o “roteiro de abordagem cultural” criado por Ronaldo Lidório em entrevistas feitas na aldeia e na cidade com a família do Cacique com quem morei. No futuro, porque sei que, a partir deste ano, trabalharei com outras culturas e povos e, assim que chegar, farei mais uma vez esse dever de casa para compreender esse novo ambiente em que estaremos inseridos.

O livro de Lidório possui uma primeira parte dedicada à apresentação dos conceitos e teorias: pressupostos teológicos tanto para a contextualização como para a comunicação; as teorias da comunicação; os conceitos de antropologia, cultura e homem; e o conceito de antropologia missionária. Finalmente, Lidório apresenta os métodos desenvolvidos na história da antropologia sobre pesquisas socioculturais e os padrões possíveis de interpretação. Como o foco é a antropologia missionária, Lidório já apresenta os temas sempre mostrando não apenas as aplicações e implicações dessas teorias no Campo com histórias e exemplos, mas, principalmente, mostra como que a antropologia missionária difere da Acadêmica. Antes de apresentar os roteiros para a sondagem da cultura, o livro ainda trata dos temas da Fenomenologia da Religião, Magia e Totemismo, ritos e Mitos.  

Mas é na segunda parte do livro que encontramos o material mais interessante e prático para o missionário que trabalha com uma cultura alheia a sua num Campo: os métodos Antropos, Pneumatos e Angelos. O primeiro visa dar ao missionário uma ferramenta que o ajude na compreensão da identidade sociocultural do povo; o segundo ajudará o missionário a pesquisar sobre os fenômenos religiosos do povo; o terceiro ajudará na comunicação do Evangelho de uma maneira compreensiva àquela cultura na qual o missionário trabalha a partir de tudo o que o missionário já vem estudando ali.

Ainda na seção conclusiva do livro, Lidório ajudará o missionário apresentando um método de aprendizado de línguas (Dialektos), além de mais alguns tópicos, além de outros estudos de caso. Um livro obrigatório a todo missionário transcultural.  

A vida entre os Antros - Clifford Geertz

“Qual a ideia por trás do fato social?” é a perspectiva mais impactante para a antropologia depois dos anos 60 e que inovou num campo dominado pelo estruturalismo e pelo neoevolucionismo na Academia.

Clifford Geertz é o antropólogo americano que apresentou suas teorias em duas frentes para análises de Campo: por um lado, o estudo simbólico atrás do significado cultural que se revela no estudo das cosmogonias, mitos, ritos e hierarquias presentes na economia diária do povo; por outro, o estudo hermenêutico, buscando a interpretação por trás dos fatos sociais do povo.

A vertente fundada por Geertz ficou conhecida como Antropologia hermenêutica ou interpretativa. O antropólogo, para Geertz, deve ir muito além da descrição dos fatos sociais: ele deve buscar os significados por trás desses fatos. Mas o que mais tem me atraído às teorias de Geertz é o fato da importância que ele dá à Cultura, especialmente às culturas complexas, multifacetadas e multiétnicas e plurirreligiosas. Porém, ao lado dessa perspectiva cultural, ele coaduna o papel do indivíduo como sujeito histórico, agente histórico de transformação. Além disso, Geertz trás para a Antropologia o auxílio da psicologia, da literatura, da filosofia e da semiótica.

“A vida entre os antros e outros ensaios”, da Editora Vozes, publicado em 2015, na Coleção Antropologia, mostra Geertz em toda sua dimensão e inteligência. Ele “falava e lia em árabe, dois ou três dos incontáveis dialetos indonésios, alemão, francês, espanhol, uma ou duas frases em japonês”. A especialidade dele, se assim posso expressar, é o mundo islâmico, o mundo árabe e a diferença entre um e outro. Os seus escritos discorrem sobre povos que foram atingidos pelo Islã, mas que guardam em si a tensão de ver conviver em seus territórios e governos tanto cristãos, como protestantes, católicos, hindus, mórmons e as muitíssimas expressões religiosas nativas. Aqui, nesse ponto, minha atração torna-se evidente, pois muito mais completo e investigador é Geertz do que, por exemplo, Lévi-Strauss, quando tentamos trabalhar com as realidades indígenas no Brasil, realidades também sob a tensão de uma sociedade plural.

Dentre os vários ensaios presentes no livro, quero destacar, primeiramente, todos os que descrevem Marrocos e a Indonésia, alvos de décadas de pesquisa de Geertz e que me deixaram com aquela sensação de “inteligência humilhada”, pois não há assunto algum na minha vida pessoal ou acadêmica que eu domine de maneira tão vasta e profunda como Geertz o faz quando se debruça a entender as sociedades árabes e muçulmanas. O conhecimento histórico, religioso, social, político dessas sociedades revelam um antropólogo estudioso, dedicado e profundo.

O ensaio sobre Malinowski, importantíssimo antropólogo da virada do século XIX para o século XX, mas que Geertz revela algo um tanto inusitado de sua personalidade: sua profunda antipatia e preconceito com o Campo no qual atuava. Malinowski deixou diários em que narra toda sua falta de tato e sua relação nada antropológica com os povos em que trabalhava e que, surpreendentemente, superou sua falta de identificação com o povo sendo incansável na sua disciplina diária de pesquisa. Ele produziu mais de 2.500 páginas de pesquisa fazendo exatamente o contrário do que tanto é ensinado hoje nas Academias – em nada se identificando com o nativo.

Outro ensaio, “Sobre a devastação da Amazônia”, muito especial para mim, pois é sobre um dos livros mais impressionantes que já li acerca das atrocidades cometidas contra povos indígenas, chamado “Trevas no Eldorado”, de Patrick Tierney, fruto de uma pesquisa que durou mais de dez anos e que trouxe um escândalo para a Associação Americana de Antropologia ao divulgar os usos e abusos de antropólogos e cientistas na dizimação do povo Ianomâmi na Venezuela, narrando experiências de eugenia e aliciamento sexual. O título do livro produzido pela Ed. Vozes remete exatamente a este ensaio específico:



Particularmente, o ensaio mais importante é o “Mudando objetivos, movendo alvos”. É aqui que Geertz faz uma apresentação do seu método de trabalho e suas teorias simbólicas e hermenêuticas. Mostrando suas influências – C.S. Pierce, Ferdinand Saussure, Gottlob Frege e Roman Jakobson – Geertz narra seu pensamento sobre os “sistemas de significado” ou “sistemas culturais” para se compreender e ordenar a comparação das religiões. A primeira linha de pensamento, portanto, é a “autonomia de significado”.

Diz Geertz que “significado não é um tema subjetivo, privado, pessoal, “na cabeça”. É um tema público e social, algo construído no fluxo da vida. Trafegamos por sinais em plein air, no mundo onde está a ação; e é nesse trafegar que o significado é produzido”. Aqui é importante notar que o significado é “falado” (não necessariamente pela boca), é narrado nos gestos, comportamentos, na condução para significar.

A segunda linha de pensamento é  “a de que o significado é materialmente incorporado, de que ele é (...)formado, transmitido, compreendido, emblematizado, expresso, comunicado, por meio de signos ponderáveis, perceptíveis e compreensíveis; dispositivos simbólicos, ritos de passagem ou encenações da paixão, equações diferenciais ou provas de impossibilidade, que são seus veículos”. Geertz conclui este ponto chamando a atenção para o fato de que o que torna um dispositivo “religioso” não é sua estrutura, mas seu uso. Assim, o antropólogo precisa estar atento a todo esse “equipamento para viver” construído pela cultura.

Finalmente, a terceira linha é a que aquilo que verdadeiramente importa, que, de fato, interessa e que vai revelar esse “equipamento para viver” é quando “nossos recursos culturais falham, ou começam a falhar. É no meio da confusão insolúvel, do sofrimento inelutável, do mal invencível, que veremos a religiosidade intervir.

Para o parágrafo anterior, é caso comum já no trabalho com povos animistas que, até mesmo pastores oriundos do animismo, quando se deparam com situações extremas – doença incurável de filhos, por exemplo – na madrugada, longe dos olhos de suas congregações, se dirigem aos antigos pajés e feiticeiros para solucionar seus problemas. Enfim, como antropólogos cristãos e missionários precisamos estar atentos a esses limites, pois é ali que se manifestará, verdadeiramente, a apreensão ou não da cosmovisão evangélica.   

Trevas no Eldorado - Patrick Tierney

De todos os livros que já li sobre a questão indígena, indubitavelmente este é o mais chocante de todos. Trata de um escândalo entre os Ianomâmis da Venezuela. Uma reportagem-denúncia, publicada em 2002, que durou 10 anos para ser concluída e, antes mesmo de sua publicação, rendeu as seguintes manchetes: antropologia machista (Salon), a antropologia entra na era do canibalismo (The New York Times), antropólogos loucos (The Nation), os danos das incorreções antropológicas (The National Review), a antropologia é má? (Slate), ianomâmis: o que fizemos com eles? (Time); “cientista” matou índios amazônicos para testar teoria racial (The Guardian). Até casos documentados de antropólogo que aliciou meninos e meninas indígenas para práticas sexuais estão no livro. Um alerta para que não esqueçamos que a ciência também é feita por seres humanos caídos. Nada é neutro no Reino humano...
Após a leitura, classificarei os livros assim:
Péssimo [0] Ruim [*] Regular [**] Bom [***] Muito Bom [****] Excelente [*****]