A mitologia grega - Pierre Grimal

O mito, vai dizer Aristóteles na Poética, é “o princípio e como que a alma da tragédia”. “Mythos” é usado pelo filósofo em dois sentidos: 1) a narrativa, a história, o enredo bem engendrado, conectado, construído; e 2) no sentido da coleção de histórias, lendas e folclores deixados pela tradição e trabalhados artisticamente pelo poeta como fonte das tragédias e epopeias.  Assim, nada mais fascinante do que lermos o livro do historiador Pierre Grimal amarrando as narrativas da mitologia, apresentando-as conectadas e desenvolvidas numa ordem para o prazer da nossa leitura e compreensão desses mitos.

  E uma das tantas qualidades desse pequeno livro é o de demarcar a diferença e semelhança, o fluxo e o refluxo dessa linguagem: o mytho e o logos. Nessa delimitação, cresce, diante dos nossos olhos, a beleza do Cristianismo, enquanto logos, e a beleza das narrativas gregas, enquanto mito. “O mito se opõe ao logos como a fantasia à razão, como a palavra que narra à palavra que demonstra. Logos e mythos são as duas metades da linguagem, duas funções igualmente fundamentais da vida do espírito”, diz Grimal.

   Assim, no ambiente do mito, este é atraído por aquela parcela do irracional (ou atrai a ela) e é aparentado de toda arte, em todas as suas criações. Daí, para Aristóteles, o poeta (e todo artista) ser um imitador e um imitador das ações e daí a tragédia erguer-se como aquele veículo da mimese por excelência, em que o poeta ensinará ao público as virtudes reveladas pelo seu trabalho artístico com o mito. E teremos prazer em aprender com os poetas, porque aprender dá prazer, mas aprender com poetas melhores as virtudes que eles nos ensinam em sua arte é prazer maior ainda.

     Após traçar um encadeamento dos mitos gregos, na parte final de seu livro, Grimal irá questionar a maneira que durante a história tentaram se aproximar dessa mitologia. Desde uma abordagem “desmitológica” nos séculos XVIII e XIX, em que se retira todo o maravilhoso para tentar encontrar apenas o que de fato ocorreu, até um agrupamento por meio de um “método comparativo”, pelo qual se tenta agrupar mitos do mundo todo a partir de seus temas comuns. Mesmo nas perspectivas mais recentes em que se sociologiza ou se psicologiza os mitos, até nisso Grimal vê uma abordagem incompleta, infeliz e que retira dos mitos aquilo que eles têm de mais específico.

      A conclusão particular a que chego após um encontro tão prazeroso com o livro de Grimal é que os mitos, enfim, mais do que suportes para esquemas de uma sociologia ou psicologia coletivas, revelam-se receptáculos de nossas próprias e inefáveis experiências individuais. Este é o segredo e a chave do mito.  

       Para a resenha completa do livro, basta clicar aqui. Boa leitura!

Poética - Aristóteles

Decididamente, se eu fosse professor de “exegese do NT” ou “metodologia do NT”, eu iniciaria meus alunos pela "epopeia dramática" que é a tradução do livro "Poética" de Aristóteles: um texto cheio de lacunas, de inserções posteriores, palavras diferentes com o mesmo sentido, sentidos diferentes para uma mesma palavra, inúmeras contradições entre os tradutores, outras tantas mais divergências sobre o que, de fato, o filósofo queria dizer, etc.

Toda essa "tragédia" da Poética, um texto que sempre gozou de imensa autoridade na cultura Ocidental, só confirma a qualidade superior e indiscutível dos textos finais traduzidos a partir do nosso tão bem documentado aparato crítico que trouxe a Bíblia até nós. As traduções bíblicas que temos em mãos estão anos-luz mais seguras historicamente do que a maioria (senão de todas) das traduções dos textos dos filósofos da Grécia Antiga.

Em outras palavras, há muito mais testemunhos (documentos) nos quais se basear a qualidade de nossas traduções e confirmar a fidedignidade de nossos textos e, por consequência, de nossas doutrinas do que o que encontramos diante, por exemplo, da Poética de Aristóteles. Simples assim.

         Só a chegada da obra até nós já se constitui uma aventura histórica e exegética. Para se ter uma breve ideia, apenas em 1911 houve uma tradução do árabe para o latim de uma versão (a mais antiga que se tinha), constituída apenas do capítulo VI da Poética, datada da metade do século IX. Na verdade, graças ao mundo árabe islâmico, que houve a difusão da filosofia grega no mundo Ocidental: é o chamado “aristotelismo islâmico” (ver aqui). Em 1930, houve a descoberta de uma versão em latim datada de 1278. Todavia, foi graças ao Renascimento iniciado na Itália no século XIV e suas traduções italianas da Poética que a obra pode influenciar o mundo Ocidental. Assim, todo o aparato crítico à obra foi desenvolvido nos séculos XVIII e XIX e poderíamos tratar desse assunto por muitos e muitos artigos, mas não é esse o foco de nossa Bibliotheca.

         Uma obra controversa desde o seu título (qual, de fato, seria a melhor tradução) até sua natureza (é um livro ou apenas uma série de anotações para as aulas no Liceu?), um dos motivos pelos quais a obra ficou muitíssimo conhecida do público em geral foi graças a um outro livro: “O nome da rosa”, de Umberto Eco. Sobre isso, porém, tratarei depois numa resenha que farei sobre o livro de Eco.

         Há muitíssimos outros pontos interessantes sobre a Poética, particularmente da maneira como estamos desenvolvendo nossas resenhas e estudos para a nossa Bibliotheca. Uma das questões interessantes seria se indagar se a Poética é uma resposta de Aristóteles a Platão. A razão da expulsão dos poetas da sociedade perfeita platônica descrita na República está diretamente relacionada com o tema principal da Poética: a mimese. E esta une-se, indelevelmente, ao tema do símbolo, pois a mimese é a imitação e, segundo Aristóteles, todas as artes são miméticas, isto é, são representações da realidade. 

         No resumo completo da obra quero apresentar os temas da Poética: basta clicar aqui! No mais, uma obra fascinante e que, dentre tantas coisas, despertou-me o desejo de reler as tragédias do Teatro Grego, que foram tão trabalhadas pelo filósofo neste que é considerado o primeiro grande manual de crítica literária que temos conhecimento. Boa leitura!

A Palavra Não Escrita







Jorge F. Isah
Kálamos Editora
160 Páginas





Depois de seis anos, escrevendo o meu primeiro livro de poesias, acabou de sair a publicação de "A Palavra Não Escrita". Ele não é fruto unicamente do meu esforço, mas de muitas outras pessoas, algumas delas não tive o prazer de conhecer, mas auxiliaram na minha formação o suficiente para que a obra viesse a lume. 

Em especial, queria agradecer ao amigo e irmão Sammis Reachers, do Poesia Evangélica, que empreendeu um trabalho primoroso, dedicado e não remunerado, para fazer a edição e a arte (e se recusou a ter o nome incluído nos créditos). 

Por isso, nada melhor do que deixá-lo falar, transcrevendo, a seguir, o prefácio que ele gentilmente elaborou para o meu livro. Uma honra e tanto!

A todos que participaram direta ou indiretamente na realização dessa obra, o meu sincero e muito obrigado.

Em especial a Cristo, sem o qual não haveria motivação e força para concluí-lo!

A ele, toda honra e glória!

PS: Baixem (gratuitamente), leiam e divulguem o livro! Ele pode ser acessado na página do Poesia Evangélica
ou
No site Monergismo, do amigo e irmão, Felipe Sabino. 


PREFÁCIO

"A poesia de Jorge F. Isah nasce carregada de enlevo hermético. Como os mestres hermetistas italianos do século XX (Montale, Quasimodo, Ungaretti), a cada poema de Jorge somos confrontados pelo toque da Esfinge, “decifra-me ou te devoro”, e mais, “decifra-me e devora-me”: que maior convite pode fazer um poeta, pode propor um poema?
  
E Jorge avança, como alfarrabista de palavras que é, como artista ora cônscio, ora febril, a estabelecer seus mosaicos na tabula rasa do papel; sua arte nunca é superficial, nunca é simplória: ela não solicita, mas é uma onda densa que arrasta, desperta e conclama ao mergulho em suas torrentes verbais. Exige a atenção, engaja e transveste seus leitores no tensionado herói Teseu, cuja atenção freme ululante enquanto avança pelo labirinto - cujas bifurcações vão se adensando a cada quadra. O prêmio para aquele que perseverar está ao fim do labirinto, embora feito da soma de suas partes: o gozo silencioso da celebração poética, o graal misterioso e assaz buscado, o pequeno êxtase quase epifânico (pois a poesia tem e terá sempre - quem a furtará? - algo de religião, de religação com o divino) que só a verdadeira arte pode inocular nas veias da alma. 

Este A Palavra Não Escrita é um manjar pleno para o verdadeiro apreciador de poesia, posto em salvas de prata onde o leitor sorverá a multiplicidade de percepções do autor, cujos versos transitam das elucubrações de sua alma às mazelas da sociedade, do fulgor metapoético, da poesia que se dobra sobre si mesma, à louvação dAquele que é a fonte matricial de toda poesia, justiça e beleza.  

Uma jornada com poder de transformar percepções, cujo arco tensionado se estende do álacre ao pungente: esta é a proposta de Jorge Isah neste seu elaborado labirinto."
   Sammis Reachers

O poder simbólico - Pierre Bourdieu

Tudo é exploração no mundo de Bourdieu e não há nada que seja mais marxista do que isso. Qual a diferença então na análise reducionista dele? É a de demonstrar como que, em meio a luta entre a classe dominante e a classe dominada, esta contribui não somente para ser explorada, mas, até mesmo, pratica uma autoexploração, aceitando os papéis sociais e encaixando, adaptando o seu ser a esses papeis de sua existência profissional, transformando-o e identificando-o com sua profissão, por exemplo.

Evidentemente, para trazer algo de “inovador” para sua análise marxista, o autor se vale de três estratégias: 1) a extensão da sua crítica, que se dá desde uma reflexão sobre o papel e o objeto da própria sociologia, passando pelos conceitos de história reificada e história incorporada, a definição do conceito de região e o papel desta na construção da identidade, a gênese da luta de classes e o conceito de espaço social, campo político, Direito, anomia e estética; 2) o questionamento crítico do próprio sociólogo-pesquisador; e 3) uma crítica ao próprio marxismo.

“O poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”. O elemento de inconsciência também é importante na análise dele, pois, com sua análise estruturalista, elimina-se não só a vontade do indivíduo, mas também a vontade da instituição coletiva: tudo é uma questão de onde se está, qual a posição que se assume, o habitus, o campo, a região. As forças que regem o mundo não são humanas. São impessoais. “O poder está por toda parte”, para Bourdieu, é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos. Daí a teoria dos símbolos, para Bourdieu, se dá exatamente porque o símbolo encobre o que, de fato, subjaz.

Duas tradições: de um lado, os sistemas simbólicos (arte, religião, língua) como estruturas estruturantes, subjetivas, que é a tradição neokantiana (seja na Europa, Humboldt-Cassirer (aquiaqui e aqui), seja nos Estados Unidos, Sapir-Whorf, especificadamente na linguagem), segue nesta mesma linha Panofsky e Durkhein. Este, contudo, transforma as formas simbólicas em formas sociais para fugir tanto do apriorismo e como do empirismo. Durkhein estabelece uma sociologia das formas simbólicas não as classificando como transcendentais (elas perdem o status de universais), mas como sociais (isto é, arbitrárias, pertencentes a um grupo particular e socialmente determinadas).  Do outro lado, os sistemas simbólicos como estruturas estruturadas, objetivas, que permitirão o funcionamento da análise estrutural como o instrumento metodológico para se entender a lógica específica de cada uma das formas simbólicas, todavia, não a partir de uma leitura alegórica, que transforma o mito em uma outra coisa, mas a partir de uma leitura tautegórica, que “não refere o mito a algo diferente dele mesmo” (veja que se perde a natureza transcendente do símbolo e faz-se uma leitura meramente imanente). Portanto, a tradição estruturalista (Saussure), ao contrário da neokantiana, que insisti no modus operandi das formas simbólicas, isto é, no seu aspecto positivo de instrumento do conhecimento e construção do mundo dos objetos, privilegia o modus operatum, as estruturas estruturadas, os objetos simbólicos – língua ou cultura, vs discurso ou conduta. Ex: a língua, sistema estruturado, ela é fundamentalmente tratada como condição de inteligibilidade da palavra, como intermediário estruturado que se deve construir para se explicar a relação constante entre o som e o sentido (Panofsky fará a distinção, no campo da obra de arte, entre iconologia e iconografia, que é o equivalente exato entre fonologia e fonética).

Pierre Bourdieu, falecido em 2002, é um dos autores mais requisitados na Academia das Ciências Humanas. Ele consegue analisar tanto de sociedades tribais como os cabila no Norte da África, tratando de sociedades que vivem à margem da modernização, abordando temas como aculturação, organização social e familiar, percepção do tempo e do espaço e sua maneira de ver o mundo, até sociedades modernas, aplicando e renovando os conceitos de antropologia, economia e sociologia, usando seu método homólogo de tratar o semelhante em meio às diferenças.

Apesar de todas as tentativas de renovo em Bourdieu, tentando ora se desvencilhar do neokantismo, ora do estruturalismo, buscando uma síntese entre os dois e o marxismo, mas marcando suas insuficiências também, o autor repete as mesmas velhas críticas ao capitalismo e ao cristianismo ainda que sob uma roupagem nova e uma linguagem simbólica.

Para acessar a resenha completa da obra, clique aqui. O blog "Bibliotheca de Semiótica" pretende ser um banco de resenhas para interessados e missionários que trabalham com outras culturas. Assim, é característica da "Bibliotheca" que, durante os resumos dos livros, eu faça comentários sobre as ideias do autor, concordando ou refutando, para que o leitor possa encontrar uma crítica e auxílio para a formação do seu próprio pensamento. Boa leitura!   
Após a leitura, classificarei os livros assim:
Péssimo [0] Ruim [*] Regular [**] Bom [***] Muito Bom [****] Excelente [*****]