Decididamente, se eu fosse professor de “exegese do NT” ou “metodologia do NT”, eu iniciaria meus alunos pela "epopeia dramática" que é a tradução do livro "Poética" de Aristóteles: um texto cheio de lacunas, de inserções posteriores, palavras diferentes com o mesmo sentido, sentidos diferentes para uma mesma palavra, inúmeras contradições entre os tradutores, outras tantas mais divergências sobre o que, de fato, o filósofo queria dizer, etc.
Toda essa "tragédia" da Poética, um texto que sempre gozou de imensa autoridade na cultura Ocidental, só confirma a qualidade superior e indiscutível dos textos finais traduzidos a partir do nosso tão bem documentado aparato crítico que trouxe a Bíblia até nós. As traduções bíblicas que temos em mãos estão anos-luz mais seguras historicamente do que a maioria (senão de todas) das traduções dos textos dos filósofos da Grécia Antiga.
Em outras palavras, há muito mais testemunhos (documentos) nos quais se basear a qualidade de nossas traduções e confirmar a fidedignidade de nossos textos e, por consequência, de nossas doutrinas do que o que encontramos diante, por exemplo, da Poética de Aristóteles. Simples assim.
Só a chegada da obra até nós já se constitui uma aventura histórica e exegética. Para se ter uma breve ideia, apenas em 1911 houve uma tradução do árabe para o latim de uma versão (a mais antiga que se tinha), constituída apenas do capítulo VI da Poética, datada da metade do século IX. Na verdade, graças ao mundo árabe islâmico, que houve a difusão da filosofia grega no mundo Ocidental: é o chamado “aristotelismo islâmico” (ver aqui). Em 1930, houve a descoberta de uma versão em latim datada de 1278. Todavia, foi graças ao Renascimento iniciado na Itália no século XIV e suas traduções italianas da Poética que a obra pode influenciar o mundo Ocidental. Assim, todo o aparato crítico à obra foi desenvolvido nos séculos XVIII e XIX e poderíamos tratar desse assunto por muitos e muitos artigos, mas não é esse o foco de nossa Bibliotheca.
Uma obra controversa desde o seu título (qual, de fato, seria a melhor tradução) até sua natureza (é um livro ou apenas uma série de anotações para as aulas no Liceu?), um dos motivos pelos quais a obra ficou muitíssimo conhecida do público em geral foi graças a um outro livro: “O nome da rosa”, de Umberto Eco. Sobre isso, porém, tratarei depois numa resenha que farei sobre o livro de Eco.
Há muitíssimos outros pontos interessantes sobre a Poética, particularmente da maneira como estamos desenvolvendo nossas resenhas e estudos para a nossa Bibliotheca. Uma das questões interessantes seria se indagar se a Poética é uma resposta de Aristóteles a Platão. A razão da expulsão dos poetas da sociedade perfeita platônica descrita na República está diretamente relacionada com o tema principal da Poética: a mimese. E esta une-se, indelevelmente, ao tema do símbolo, pois a mimese é a imitação e, segundo Aristóteles, todas as artes são miméticas, isto é, são representações da realidade.
No resumo completo da obra quero apresentar os temas da Poética: basta clicar aqui! No mais, uma obra fascinante e que, dentre tantas coisas, despertou-me o desejo de reler as tragédias do Teatro Grego, que foram tão trabalhadas pelo filósofo neste que é considerado o primeiro grande manual de crítica literária que temos conhecimento. Boa leitura!
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