Esaú & Jacó [***]







Machado de Assis
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201 Páginas



"A obra encontra-se em domínio público e pode ser baixada e lida no site da Bíblioteca Nacional, clicando-se Aqui"

2 comentários:

Jorge Fernandes Isah disse...

Algumas coisas me incomodaram neste livro, ou melhor, me estranharam:

1- Machado se utiliza de capítulos curtos e narrativa menos verborrágica, ainda que eu não o considere prolixo, em relação aos romances anteriores;

2- Este foi o penúltimo romance escrito, muito próximo da sua morte, e o nível de ironia e até mesmo sarcasmo do autor está em níveis bem acima do normalmente utilizado. Tenho de confessar que desandei a rir em muitos momentos, mas a história, em alguns pontos parece quase um folhetim. Não me pareceu também que ele tivesse a intenção de "prender" o leitor, se é isso possível, como se estivesse quase a zombar de nós, do tipo: "vejam do que sou capaz!... E apreciem se puderem...". Acredito que tenha se divertido bastante na composição do livro, que contendo os elementos formais do texto de Machado [tornando-o identificável ainda que o autor preferisse o anonimato], ele está muito menos "amarrado" e até mesmo difuso no aspecto narrativo. Alguns personagens simplesmente somem depois de algum tempo, como Santos que é apenas citado depois da metade do livro.
3) Ainda que de uma maneira distanciada, como convém a narração na 3a. pessoa, ele deu uma atenção especial ao fundo político da época, ou melhor, de fatos acontecidos na década anterior, a transição entre o Império e a República, a queda de Pedro II e a ascensão do Marechal Deodoro da Fonseca à presidência [sem entrar em seus pormenores], levantando a discussão entre o espírito conservador [Pedro] e o revolucionário [Paulo], asseverando a disputa, a oposição muito mais pessoal que ideológica [ela mesma servindo apenas de pretexto para o confronto e a sedimentação da disputa entre eles]. Não que esses fatos sejam o motor da história, mas o alvo das disputas entre os gêmeos Pedro e Paulo, que remetem-nos às figuras bíblicas de Esaú e Jacó, narradas no livro de Gênesis, também gêmeos, que, desde o útero de sua mãe, Rebeca, disputavam a primogenitura, e, por conseguinte, a herança patriarcal de Isaque, filho de Abraão.
[...]

Jorge Fernandes Isah disse...

[...]

Neste ponto, temos uma história quase banal, escrita, porém, com maestria, como sempre é capaz de realizar o mestre [falar esplendidamente do trivial]. O que temos, em linhas gerais, são os aspectos políticos, familiares, profissionais, amorosos, etc, como alvos das "brigas" entre os dois irmãos. No fundo, eles amam as mesmas coisas, querem-nas, sem que alcancem o real prazer nelas. O gozo está em superar o outro, em deixá-lo para trás, em vencê-lo, mas, no caso deles, é meio que derrotar a si mesmo. Uma cena que exemplifica bem o que estou tentando dizer, é a que ambos visitam "determinada" cova no cemitério [não quero ser desmancha-prazer ao futuro interessado em ler livro], em que o defunto, desde o início, era apenas o "mote" para que um superasse o outro, fazendo da piedade e caridade um objeto de "controle" da pretensa superioridade que um acreditava ter sobre o outro e vice-versa. Mesmo que ambos se enganassem em relação ao desconhecimento e ignorância da atitude alheia; cada um acreditava que o outro desconhecia o fato de que sabia muito bem o que fazia. Os minutos que Pedro desejou acrescentar aos de Paulo na vigília à sepultura, revela uma guerra mais mental que física, quase espiritual, ainda que ela significasse a ocupação prolongada do espaço e o consumo do tempo.

Ao descobrir o outro ali, quando pensava ele mesmo ser o único a desejá-lo, o desejo de arrastar o irmão e tirar-lhe satisfações, revela o quanto o "defunto" em si mesmo, significava-lhes pouco ou nada.

Machado aponta sem sutilezas os paradoxos e incoerências do homem, suas lutas, dilemas e, muitas vezes, a insignificância que elas representam na vida real. Pessoas se prendem e deixam-se prender por todo o tipo de aparências que transformam a sinceridade em algo raro ou quase impossível.

Aires, o narrador do "Memorial", último livro do autor, é quem mais se aproxima da verdade; e como um profeta, antevê o desfecho final, como algo determinado e sem possibilidade de não se realizar: os laços sanguíneos são incapazes de transformar Pedro e Paulo em amigos... a rivalidade é muito maior do que as promessas que, quase de antemão, são descumpríveis.

Flora, a garota desejada por ambos, remete-nos simbolicamente ao sacrifício de Cristo na cruz, ao reconciliar Deus e os homens, contudo, ela é incapaz, ao contrário de Cristo, de fazê-lo entre os irmãos, de trazer paz e uni-los seja na vida, seja na morte.

Algo que quase ia me esquecendo é sobre a verve poética do autor, muito mais presente aqui do que em outros livros, ao que me pareceu.

Há muita coisa para ser dita ainda, mas como não tenho o objetivo de fazer um estudo analítico da obra, e apenas dar algumas pinceladas sobre o que apreendi, deixarei o restante para o futuro leitor, que encontrará a riqueza estilística, a prosa límpida e a mente arguta do grande romancista, em forma.

Após a leitura, classificarei os livros assim:
Péssimo [0] Ruim [*] Regular [**] Bom [***] Muito Bom [****] Excelente [*****]