Nossa Cultura... ou o Que Restou Dela [****]




Theodore Dalrymple
É Realizações
400 Páginas


"Polêmicas. Tabus. Cultura. Arte. Sexo. Medicina. Política. Literatura. Atualidades. Estes são alguns dos temas que compõem este livro, uma reunião de 26 ensaios contundentes e também sensíveis, que lembram a obra de George Orwell e apresentam a inconfundível lucidez de Theodore Dalrymple sobre a condição humana. O autor se vale de interseções com a obra de Shakespeare, Virginia Woolf, Alfred Kinsey e Karl Marx, dentre outros pensadores e escritores, para abordar a tendência humana universal para a destruição; o colapso de hábitos e costumes; os efeitos de se tentar consagrar a felicidade pessoal como um direito político; a degradação dos relacionamentos pessoais depois da remoção de todas as restrições sexuais; o significado de barbárie e como ela vem invadindo o Ocidente. Da legalização das drogas ao desmoronamento do Islã, de adultos que insistem em permanecer na adolescência a jovens que se tornam adultos precocemente, pouca coisa escapa às observações de Dalrymple". 

10 comentários:

Anônimo disse...

Comecei a leitura do novo livro de Dalrymple publicado no Brasil, e, ao que tudo parece, é outra bordoada na sociedade pós-moderna e francamente decadente do libertarianismo e relativismo.

Já no primeiro ensaio, cujo título é "A frivolidade do mal", o autor, com sua costumeira clareza, precisão, e acuidade da realidade, desenrola o novelo que levou a Grã-Bretanha à indigência moral, ética, e ao consequente aumento da criminalidade, da irresponsabilidade, e dos "prazeres" desregrados, sob os auspícios do Estado (o grande pai ou mãe, como queiram), causando o colapso social e o rebaixamento do homem aos níveis mais abissais de infelicidade e delírio, culminando com lares desfeitos, casamentos múltiplos, filhos abandonados, mulheres espancadas, roubos, furtos, assassinatos, drogas, insegurança, e um sem número de tragédias e enfermidades dentro de casa, mas estendidas para as ruas, escolas, e praticamente todos os locais públicos. Todos se tornam reféns do mal, e a solução apontada estaria na volta à alta cultura e aos valores tradicionais (leia-se tradição judaico/cristã). Sem eles, a baderna e o caos apenas se perpetuarão, atingindo níveis inimagináveis e insustentáveis ao convívio social.

A conclusão, não de Dalrypmple mas minha, é de que esse ambiente é altamente favorável para a instalação de ditadura ou o totalitarismo de esquerda (comunismo). Pode ser que demore alguns anos ou décadas, mas não vejo outra "saída" diante do enfraquecimento cada vez maior do homem e seu declínio vertiginoso à imoralidade (o caos apenas hiperboliza essa mistura destrutiva).

A Bíblia ressalta uma doutrina verdadeira mas negligenciada e rejeitada pela maioria dos intelectuais, inclusive cristãos: a Depravação Total do Homem. E o que seria esse estado de coisas, presente não somente na atual Grã-Bretanha, mas em toda a Europa, EUA, e América Latina, que não seja algo inerente ao próprio homem, perdido em um mundo sem freios morais, e estimulado insistentemente pela "liberdade" humana de se autodestruir?

Mas enquanto a verdade for tratada como algo relativo e não absoluto, as soluções aparentes somente serão paliativas, se muito, mas um estímulo poderoso à degradação.

Abaixo, transcreverei dois trechos do primeiro ensaio, uma pequena amostra do que está por vir nas próximas páginas.

Anônimo disse...

"Existe uma aliança ímpia entre a esquerda, que acredita que o homem é dotado de direitos sem deveres, e os libertários da direita, os quais acreditam que a escolha do consumidor é a resposta para todas as questões - uma ideia avidamente adotada pela esquerda, sobretudo naqueles setores nos quais não se aplica. Dessa forma, as pessoas se veem no direito de gerar crianças da forma como bem entenderem, e as crianças, certamente, têm o direito de não serem privadas de nada, ao menos nada no plano material. Já que homens e mulheres se associam e têm filhos, a criação desses últimos torna-se apenas uma questão de direito do consumidor, sem quaisquer grandes implicações morais, semelhante ao ato de escolher entre chocolate branco ou preto, e o Estado não pode discriminar entre formas distintas de associação e da criação dos menores, mesmo quando essa não discriminação é capaz de gerar o mesmo efeito que produziu a neutralidade anglo-francesa durante a Guerra Civil Espanhola".

Anônimo disse...

Faço uma ressalva: penso que o autor ao definir "libertários de direita", quis referir-se àqueles homens cujo pensamento econômico está à direita, o chamado neoliberalismo; não se podendo, contudo, confundir direita com conservadorismo. O conservadorismo, ao qual o autor está incluído, vai muito além das posições apenas no campo econômico, pois ela trata também da tradição, ordem social, moral, ética, direitos e deveres, religiosidade, etc. Um libertário jamais é e será um conservador, pois, para ele, como bem afirmou Dalrymple, tudo se resume à questão econômica e, por isso, no ponto de vista moral, ético e das tradições, ele apenas seja um pouco mais "radical e revolucionário" do que os marxistas ou esquerdistas. Ao meu ver, libertários são os marxistas que se recusam a serem chamados de tais. E para tornarem-se conservadores precisam abandonar o libertarianismo.

Anônimo disse...

"Fundamentalmente, a covardia moral das elites intelectuais e políticas é responsável pelo permanente desastre social que tomou conta da Grã-Bretanha, um desastre cujas plenas consequências sociais e econômicas ainda serão conhecidas. Uma aguda crise econômica traria à tona o quanto as políticas dos sucessivos governos, todos orientados para o libertinismo, atomizaram a sociedade britânica. Isso fez com que toda a solidariedade social dentro das famílias e das comunidades, tão protetoras em tempos de dificuldades, fosse destruída. As elites não conseguem sequer reconhecer o que aconteceu, muito embora seja óbvio, uma vez que tal reconhecimento solicitaria admitir a pretérita irresponsabilidade em relação à questão, e isso seria muito incômodo para elas. Melhor que milhões vivam desgraçadamente e na imundície do que as elites se sentirem mal sobre si mesmas - outro aspecto da frivolidade do mal".
Pag. 39

Anônimo disse...

Sobre o mal e o pecado original, o autor escreveu, analisando a obra de Shakespeare (e a Depravação Total do Homem tanto pode ser lida na Bíblia, como nas obras de Shakespeare, como nos relatos de Solzhenitsyn nos "gulags" russos):

"Uso, então, uma frase do livro Arquipélago Gulag que contradiz a débil isenção que Solzhenitsyn faz sobre a validade dos personagens malignos de Shakespeare. Ele escreve: 'Gradualmente, foi-me revelado(no Gulag) que a linha divisória entre o bem e o mal não passa pelos Estados, tampouco entre as classes, menos ainda entre os partidos políticos - mas que percorre cada coração humano - e isso se dá em todos os corações humanos'. E é Shakespeare que nos mostra essa divisória... O pecado original - isso quer dizer, o pecado de ser nascido com a inc linação ao mal, típica da natureza humana - sempre zombará das tentativas de se atingir a perfeição com base na manipulação do meio social. A prevenção ao mal sempre requererá muito mais do que arranjos sociais; exigirá, para sempre, o autocontrole pessoal e uma limitação consciente dos desejos" (pg. 60-61).

Anônimo disse...

Sobre a possibilidade de censura na "Arte" (aquela arte destrutiva e que afasta o homem de si mesmo e da realidade; uma espécie de suicídio da alma enquanto o corpo agoniza, como evocam os textos de D. H. Lawrence), Dalrymple escreve:

"Caracteriza-se como um preconceito comum que a censura é ruim para a arte e, portanto, sempre injustificada. Porém, caso isso fosse verdade, a humanidade teria muito pouco para oferecer como patrimônio artístico, e também indicaria que estaríamos hoje vivendo uma idade de ouro das artes. Mas se não podemos censurar, podemos ao menos desaprovar; e não podemos nos cansar de dizer que D. H. Lawrence e sua vulgar e deplorável descendência artística, que nos chega por meio de Marilyn Manson e Glen Duncan, com suas "escuras e satânicas emoções", em vez de esclarecer o mundo, coloca-o nas trevas" (pg 90).

Anônimo disse...

Comparando Marx e Turgenev (impressionante as várias coincidências que os ligavam, como a data de nascimento e morte, entre outras), o autor faz uma comparação também entre a ideologia e o seu ódio a tudo que lhe escapa ou está fora da sua formulação, a realidade, com os seus acertos e erros:

"Marx alegava conhecer os homens, mas os conheceu somente como seus inimigos. Apesar de ser um dialético hegeliano, ele não se interessava pelas contradições da vida. Nem a gentileza tampouco a crueldade o tocavam; os homens eram simplesmente os ovos dos quais a gloriosa omelete seria um dia feita. E ele seria instrumental nessa operação.
Quando consideramos nossos reformadores sociais - a linguagem que usam, suas preocupações, seu estilo, as categorias de seus pensamentos - eles se assemelham mais com Marx ou com Turgenev? Turgenev, que escreveu um maravilhoso ensaio intitulado 'Hamlet e Dom Quixote', um título que fala por si só, não teria ficado surpreso ao descobrir que o estilo marxista triunfou.
Devido a uma curiosa peça do destino, os frios e utópicos marxistas russos encontraram uma utilidade cínica para a história 'Mumu', de Turgenev; imprimiram dezenas de milhões de ópias, a fim de justificar a própria brutalidade assassina ao destruir qualquer traço da antiga sociedade... Poderia haver um exemplo mais eloquente da habilidade de abstração intelectual em apagar das mentes e corações dos homens qualquer traço de vergonha e de um sentimento verdadeiro pela humanidade?
Todavia, é preciso recordar um detalhe significativo da trajetória biográfica de Turgenev e de Marx, em que há uma grande diferença. Quando Marx foi enterrado, quase ninguém compareceu ao seu funeral (uma vingança poética, talvez, por ele não ter comparecido ao funeral do seu pai, que o adorava e que fez enormes sacrifícios por ele). Quando os restos mortais de Turgenev retornaram da França para São Petersburgo, milhares de pessoas, incluindo os mais humildes, compareceram para prestar suas homenagens - e por uma boa razão" (pg 120).
Todavia,

Anônimo disse...

Sobre a anarquia e o auto-aniquilamento da "Arte", bem como a ditadura da "originalidade e ineditismo", nos trabalhos derradeiros de Miró (e, por conseguinte, o desejo de destruição, e quase nunca de construção, imperar no mundo moderno ao lado de um desprezo psicótico pela tradição e os grandes feitos do passado), disse:

"No entanto, homens talentosos e brilhantes como Miró principiaram uma trajetória decadente, a qual terminou em anarquia artística...Ele queria que o acaso fizesse por ele o trabalho. Ele queimava suas telas, abrindo pequenos buracos na esperança de que formas agradáveis pudessem emergir, mas o resultado era apenas um previsível empobrecimento estético e simbólico. A lógica de uma corrida armamentista passou a governar a arte, e legiões de vira-latas sem talento, que vieram depois de Miró, dedicaram-se a elaborar aquilo que não tinha sido jamais feito em vez de elaborar o que queriam expressar. O último trabalho de Miró é um assalto à possibilidade mesma do significado da arte: se o acaso e a destruição fossem tão bons ou melhores que a direção e o controle, que senso pode haver no próprio senso?" (pg 154).

Jorge Fernandes Isah disse...

Por exclusiva falta de tempo, não transcrevi outros excertos do livro, publicando-os aqui, infelizmente.

Mas posso afirmar que, tanto quanto o "A Vida na Sarjeta", Dalrymple disseca os problemas advindos da instalação, no mundo moderno (ao menos, do início do sec. XX em diante), da ideologia marxista e/ou progressista, na qual o Ocidente tem sucumbido e perdido uma guerra na qual entrou favorecendo o inimigo. Sem combatê-lo, aliou-se a ele para derrotar a si mesmo; e o que temos é uma realidade na qual a figura mais emblemática a formar-se é a de um suicídio, ainda que em pequenas mas ininterruptas dose de veneno auto-aplicadas na moribunda civilização, a qual está, não muito distante, de extinguir-se por completo (como a conhecíamos) em favor de um "mundo perdido", mas ressuscitado por toda a sorte de absurdos, bizarrices e desconexos da realidade: a barbárie primitiva mas presente no imaginário ideológico moderno.

Como o Ocidente tem renegado a sua herança judaico-cristã, a qual fomentou tudo o que se pode chamar de alta cultura e civilização no planeta (não confundir com perfeição, pois ela é impossível no homem e pelo homem), resta-lhe voltar ao vômito e aos tempos onde o ápice da selvageria imperava. Como isso, os fundamentos da ordem, da moral, do desenvolvimento e da civilização, como um todo, está em vias de sucumbir aos delírios de um mundo perfeito habitado por criaturas imperfeitas, ou seja, a busca do impossível pelo homem impossível de alcançá-la, em si mesmo.

Fruto da psicopatia e da aversão à verdade, criam-se "moinhos de ventos", gigantescos, em batalhas épicas, como nas alucinações de Dom Quixote. A degradação, em todas as esferas, o rebaixamento da humanidade, a rejeição à moral e à ética, a leniência para com os algozes e hostis "guias cegos", pode levar a humanidade para a quase destruição total, um abismo sem fundo.

Em uma série de artigos publicados entre 1994 e 2004, interagindo com a Arte, Política, Islamismo e Literatura, por exemplo, a pena contundente e mordaz do autor revela a degradação, a deterioração da vida em todos os seus aspectos, onde o rebaixamento da dignidade humana parece ser o objetivo da intelligentsia (ainda que inconsciente, em alguns casos; apenas bufonaria da pior espécie), como reflexo da arrogância e obtusidade em não se reconhecer incapaz e destituído de valores nobres e dignos, restando-lhes os vis e hediondos, com os quais se ufanam.

Como o profeta diz:

“Ai dos que chamam ao mal bem e ao bem, mal, que fazem das trevas luz e da luz, trevas, do amargo, doce e do doce, amargo" (Isaias 5.20)

E o filósofo:

“Quando você não tem virtudes para louvar, começa a louvar seus defeitos, começa a se orgulhar dos seus pecados" (Olavo de Carvalho)

Este é um livro tão bom ou melhor do que "A vida na Sarjeta"; e, portanto, deve ser lido em associação com esse, para se entender os rumos que o mundo tomou, e do qual, para a tristeza de quem os percebeu, parece orgulhar-se do seu fracasso, buscando um ainda maior.

Se quiserem, escrevi algumas coisas a respeito (não necessariamente com a mesma abordagem do livro), e podem ser lidas no meu blog, o Kálamos: kálamos.blog.br

Theodore Dalrymple é sempre um autor mais do que recomendado.

Fica a dica.


Unknown disse...

No livro “O Cânone Ocidental — Os Livros e a Escola do Tempo”, Harold Bloom diz que D. H. Lawrence “continuará enterrando seus coveiros, como Whitman enterrou sucessivas gerações de papa-defuntos que o descartaram”

Após a leitura, classificarei os livros assim:
Péssimo [0] Ruim [*] Regular [**] Bom [***] Muito Bom [****] Excelente [*****]