Na adolescência, tomei conhecimento da obra de José Lins do Rego. Li alguns como Fogo Morto, Doidinho, O Moleque Ricardo, Menino do Engenho... mais especificamente suas obras relacionadas ao ciclo da Cana-de-Açúcar [sempre fico com a impressão de que Meu Pé de Laranja-Lima também foi escrito por ele; sei lá, sempre me vem à mente primeiro este livro que não pertence à sua obra, mas à de José Mauro de Vasconcelos, do que qualquer outra. Creio que encuquei-me por haver alguma semelhança entre "O meu pé..." e o "Menino do Engenho", só não sei dizer porquê; é coisa muito velha, já sedimentada na memória, bem menos do que o enredo dos livros].
De qualquer forma, é como se eu estivesse voltando ao passado e, talvez, agora, com uma bagagem melhor e mais apropriada do que na época, poderei desfrutar melhor dos livros do autor.
Nas notas, percebi que este é a continuação do livro Pedra Bonita, escrito em 1937, exatos, dezesseis anos antes da publicação de Cangaceiros.
O livro é dividido em duas partes: A Mãe dos Cangaceiros e Os Cangaceiros. A escrita de José Lins do Rego é direta, sem floreios, de certa forma crua ou bruta, como o próprio tema sugere.
O livro foi indicado pelo prof. Olavo de Carvalho no Seminário de Filosofia. Como sempre gostei de ficção, aproveitei e comprei mais dois outros livros também indicados: A Estrela Sobe, de Marques Rebelo e A Ladeira da Memória, de José Geraldo Vieira [na verdade a indicação foi dos autores, não propriamente dessas obras].
Interessante que José Lins do Rego sempre foi um autor que considerei de menor importância na literatura brasileira. Sempre me vinha a imagem de que seus livros eram datados e não tinham mais nada a dizer sobre a realidade, pois tratavam de temas e situações perdidos no tempo.
Contudo, parece-me agora que é possível se fazer associações a partir do desenrolar da história, de tal maneira que fica evidente o fato de que as épocas mudam, as situações mudam, mas o homem permanece o mesmo, assim como os seus dilemas também.
O livro trata a realidade do Cangaço sem nenhum retoque ou floreio e, com isso, não há heróis nem vilões, ou melhor, há o herói para um e o mesmo herói se torna em bandido para outro, e vice-versa, de maneira que a realidade, sendo uma, pode-se antagonizar, tendo-se em vista que a sua interpretação, aos olhos dos personagens, atingido os extremos, parecer que há "duas realidades" distintas.
Da mesma forma, admiração e aversão são sentidos na trama, sem que o narrador aponte a sua preferência, ou faça uma análise moral.
O mais interessante é que, apesar de algumas repetições que considerei desnecessárias, o autor é um verdadeiro contador de histórias; o que, atualmente, tem sido desprezado [por opção ou incapacidade] pela maioria dos autores contemporâneos.
Estou ainda no início, mas posso dizer que o livro é daqueles que impressiona, e me fez lembrar de "Vida Secas" de Graciliano Ramos; mas como a leitura dele foi há décadas atrás, pode ser apenas a semelhança quanto ao tema [a miséria humana] a única correlação.
A capa que acompanha este post não é a da edição que estou lendo. Como não achei uma foto da 7a. edição, criada por Luis Trimano [1980; achei-a mais para folheto carnavalesco do que como uma referência ao conteúdo do livro], optei pela capa da edição de 1957, se não me engano; e que me parece ter mais a ver com o livro em si.
Ao fim do livro, a impressão que ficou foi impactante. José Lins escreveu-o em uma linguagem direta, crua, apesar de se prender em alguns detalhamentos no desenrolar da trama. É um livro marcado pela dor, o sofrimento, a angústia, decisões impossíveis de não se tomar, e uma possibilidade de alegria, de se escapar da atroz realidade [especialmente no romance entre Bento e Alice]. Mas de uma forma geral, todos estão presos à caatinga [à realidade], todos estão fadados a nascer e morrer sobre os seus (des)cuidados. A vida a ser vivida parece inevitável, e da qual não se tem como escapar. Mas ao final, ela parece possível, ao menos para alguns, que não se entregaram à loucura e à dor [como agentes e como pacientes]; ainda que se seja um pouco louco, ainda que se sofra muito.
Interessante que o livro se chama "Cangaceiros", mas o autor pouco ou quase nada descreve a vida entre eles. A visão que se tem do cangaço vem de fora, dos amigos ou inimigos, que segundo os seus interesses pessoais, amarão ou odiarão os bandoleiros. Não há a romantização dos bandidos; na verdade, Rego os descreve em sua máxima crueza, ainda que, mesmo homens como Negro Vicente [um dos chefes em comando do cangaceiro Aparício] demonstrem a debilidade de se tomar uma decisão, por mais simples que seja, quando está-se fora do bando. Têm-se a ideia de que o grupo é quem sustenta o indivíduo, capaz de fazê-lo ser aquilo que, mesmo querendo ser [como parte da sua natureza], não o pode ser fora do grupo.
Os personagens estão sempre em conflitos, numa dualidade que somente não é possível ser percebida aos olhos exteriores. Mesmo assim, o autor os revela através de outros personagens, como a decisão de Aparício de recuar diante de uma batalha, quando a está ganhando, por motivos pessoais. Todos os cangaceiros foram obrigados a se curvarem diante dele, cujo interesse sobrepujou o interesse do bando [é o que nos conta o Negro Vicente]. Talvez o maior exemplo desses conflitos seja o irmão de Bento, Domício.
Mas vou parar por aqui, senão acabo estragando a surpresa de quem lerá o livro.
Outro ponto alto é a narrativa; há momentos em que deixar o livro é quase impossível. Para quem, como eu, havia lido José Lins na adolescência, e pouco ou nada me lembrava dele, ler Cangaceiros foi uma surpresa e tanto. Penso em ler e reler alguns outros títulos.
3 comentários:
Na adolescência, tomei conhecimento da obra de José Lins do Rego. Li alguns como Fogo Morto, Doidinho, O Moleque Ricardo, Menino do Engenho... mais especificamente suas obras relacionadas ao ciclo da Cana-de-Açúcar [sempre fico com a impressão de que Meu Pé de Laranja-Lima também foi escrito por ele; sei lá, sempre me vem à mente primeiro este livro que não pertence à sua obra, mas à de José Mauro de Vasconcelos, do que qualquer outra. Creio que encuquei-me por haver alguma semelhança entre "O meu pé..." e o "Menino do Engenho", só não sei dizer porquê; é coisa muito velha, já sedimentada na memória, bem menos do que o enredo dos livros].
De qualquer forma, é como se eu estivesse voltando ao passado e, talvez, agora, com uma bagagem melhor e mais apropriada do que na época, poderei desfrutar melhor dos livros do autor.
Nas notas, percebi que este é a continuação do livro Pedra Bonita, escrito em 1937, exatos, dezesseis anos antes da publicação de Cangaceiros.
O livro é dividido em duas partes:
A Mãe dos Cangaceiros e Os Cangaceiros. A escrita de José Lins do Rego é direta, sem floreios, de certa forma crua ou bruta, como o próprio tema sugere.
O livro foi indicado pelo prof. Olavo de Carvalho no Seminário de Filosofia. Como sempre gostei de ficção, aproveitei e comprei mais dois outros livros também indicados: A Estrela Sobe, de Marques Rebelo e A Ladeira da Memória, de José Geraldo Vieira [na verdade a indicação foi dos autores, não propriamente dessas obras].
Interessante que José Lins do Rego sempre foi um autor que considerei de menor importância na literatura brasileira. Sempre me vinha a imagem de que seus livros eram datados e não tinham mais nada a dizer sobre a realidade, pois tratavam de temas e situações perdidos no tempo.
Contudo, parece-me agora que é possível se fazer associações a partir do desenrolar da história, de tal maneira que fica evidente o fato de que as épocas mudam, as situações mudam, mas o homem permanece o mesmo, assim como os seus dilemas também.
O livro trata a realidade do Cangaço sem nenhum retoque ou floreio e, com isso, não há heróis nem vilões, ou melhor, há o herói para um e o mesmo herói se torna em bandido para outro, e vice-versa, de maneira que a realidade, sendo uma, pode-se antagonizar, tendo-se em vista que a sua interpretação, aos olhos dos personagens, atingido os extremos, parecer que há "duas realidades" distintas.
Da mesma forma, admiração e aversão são sentidos na trama, sem que o narrador aponte a sua preferência, ou faça uma análise moral.
O mais interessante é que, apesar de algumas repetições que considerei desnecessárias, o autor é um verdadeiro contador de histórias; o que, atualmente, tem sido desprezado [por opção ou incapacidade] pela maioria dos autores contemporâneos.
Estou ainda no início, mas posso dizer que o livro é daqueles que impressiona, e me fez lembrar de "Vida Secas" de Graciliano Ramos; mas como a leitura dele foi há décadas atrás, pode ser apenas a semelhança quanto ao tema [a miséria humana] a única correlação.
A capa que acompanha este post não é a da edição que estou lendo. Como não achei uma foto da 7a. edição, criada por Luis Trimano [1980; achei-a mais para folheto carnavalesco do que como uma referência ao conteúdo do livro], optei pela capa da edição de 1957, se não me engano; e que me parece ter mais a ver com o livro em si.
Ao fim do livro, a impressão que ficou foi impactante. José Lins escreveu-o em uma linguagem direta, crua, apesar de se prender em alguns detalhamentos no desenrolar da trama. É um livro marcado pela dor, o sofrimento, a angústia, decisões impossíveis de não se tomar, e uma possibilidade de alegria, de se escapar da atroz realidade [especialmente no romance entre Bento e Alice]. Mas de uma forma geral, todos estão presos à caatinga [à realidade], todos estão fadados a nascer e morrer sobre os seus (des)cuidados. A vida a ser vivida parece inevitável, e da qual não se tem como escapar. Mas ao final, ela parece possível, ao menos para alguns, que não se entregaram à loucura e à dor [como agentes e como pacientes]; ainda que se seja um pouco louco, ainda que se sofra muito.
Interessante que o livro se chama "Cangaceiros", mas o autor pouco ou quase nada descreve a vida entre eles. A visão que se tem do cangaço vem de fora, dos amigos ou inimigos, que segundo os seus interesses pessoais, amarão ou odiarão os bandoleiros. Não há a romantização dos bandidos; na verdade, Rego os descreve em sua máxima crueza, ainda que, mesmo homens como Negro Vicente [um dos chefes em comando do cangaceiro Aparício] demonstrem a debilidade de se tomar uma decisão, por mais simples que seja, quando está-se fora do bando. Têm-se a ideia de que o grupo é quem sustenta o indivíduo, capaz de fazê-lo ser aquilo que, mesmo querendo ser [como parte da sua natureza], não o pode ser fora do grupo.
Os personagens estão sempre em conflitos, numa dualidade que somente não é possível ser percebida aos olhos exteriores. Mesmo assim, o autor os revela através de outros personagens, como a decisão de Aparício de recuar diante de uma batalha, quando a está ganhando, por motivos pessoais. Todos os cangaceiros foram obrigados a se curvarem diante dele, cujo interesse sobrepujou o interesse do bando [é o que nos conta o Negro Vicente]. Talvez o maior exemplo desses conflitos seja o irmão de Bento, Domício.
Mas vou parar por aqui, senão acabo estragando a surpresa de quem lerá o livro.
Outro ponto alto é a narrativa; há momentos em que deixar o livro é quase impossível. Para quem, como eu, havia lido José Lins na adolescência, e pouco ou nada me lembrava dele, ler Cangaceiros foi uma surpresa e tanto. Penso em ler e reler alguns outros títulos.
Leitura altamente recomendada!
Postar um comentário