Teologia de Irineu e a “Tradição
Apostólica”
Todos os meus argumentos sobre o
tema do post anterior, a “Mariologia” de Irineu devem ser retomados para se
compreender precisamente o tema da “sucessão apostólica, o primado de Roma e o
pontificado do Bispo de Roma”. Assim como, muitas vezes, a interpretação revela
muito mais do leitor do que do texto, que foi o que demonstrei no post
anterior), se retirarmos certas citações de Irineu do contexto destes 5 livros
que compõem o “Contra as heresias”, traremos sobre Irineu conclusões do que
sequer ainda existe em seu tempo.
O próprio texto, na verdade, já
mostra o porquê de Irineu ter escolhido para exemplo a Igreja de Roma: falta de
espaço para fazer o mesmo com todas as outras o que ele fará a seguir. E o que
ele fará a seguir que poderia fazer com as outras igrejas também? Mostrar a
guarda da Tradição desde a fundação apostólica até os dias atuais. Mas por que
isso interessa a Irineu? Lembre-se que ele está refutando as heresias do seu
tempo e não o papado! As heresias do seu tempo dizem fábulas tiradas de uma
interpretação errônea da Bíblia e misturando essa interpretação com filosofia,
mitologia e tutti quanti. Todavia, quem prega essas mentiras não têm “tradição”,
são grupos diversos que se contradizem entre si dependendo de seu “mestre”.
Dependendo do herege este vai inventar, tirar, esquecer, adaptar, inventar as
próprias doutrinas que pregam. Cada escola, uma contradição! Na verdade, para
ódio dos pseudognósticos, Irineu irá dar uma origem comum a todos eles: Simão,
o Mágico (Atos 8:9ss)!
Mas as igrejas locais não eram
assim! Elas haviam recebido o ensino dos seus fundadores, os apóstolos. Estes
haviam repassado a Tradição da Fé, para elas e, universalmente, onde quer que
você fosse, era ensinado exatamente o mesmo nas igrejas. A igreja em Roma era
maior e fundada por Pedro e Paulo, por isso muito bem representativa do que
estava para ser feito por Irineu. Veja que não há “papado” para Irineu. A
Igreja não fora fundada por Pedro, mas por Pedro e Paulo. Ambos repassaram a
Tradição ao presbítero depois deles, este para o próximo e, assim por diante,
até os dias de Irineu. Este processo pedagógico de ensino da Igreja pode ser
verificado em Roma e em qualquer das outras igrejas. Apenas isso!
Mais uma vez, para mim, o
problema ocorre com os olhos que leem Irineu: se você olhar com os olhos de
agora para o tempo dele, você o fará arauto de ensinos posteriores. Todavia, se
você entender que Irineu está dialogando com seu tempo e não com tudo aquilo
que veio depois dele, aí você o verá no seu contexto e compreenderá os limites
da sua discussão.
Curiosidades
a) 3 pontos muito interessantes se apresentam no tempo de Irineu: 1) claramente, o
governo das igrejas locais era episcopal; 2) naquele tempo de Irineu, aconteciam
ainda a manifestação dos dons extraordinários (falar em línguas, profetizar
(que, para ele, é falar o que está escondido nas pessoas) e ressuscitar mortos
(que ele narra como resultado de um pedido em conjunto da igreja e atendido quando Deus julgou necessário);
b) O
conhecimento de Irineu da língua hebraica é fraco, isto se vê quando ele vai
traduzir os nomes de Deus no AT;
c) Obviamente,
todas as referências bíblicas são da edição da série Patrística e elas foram
colocados no fim de cada livro. Assim, o que erro frisar é que os textos
bíblicos são citados literalmente por Irineu, mas os “endereços” são inserções
posteriores. Todavia, algumas vezes, Irineu fala algo que, para o editor da
série, poderia ser uma citação não literal, uma referência indireta... Mas não
é! E mesmo assim o editor coloca que Irineu estaria citando textos
deuterocanônicos, quando, na verdade, não está. É o caso de quando Irineu
escreve que Deus fez o mundo do nada e o editor faz uma nota de rodapé ligando
a frase de Irineu ao livro de Sabedoria, quando, contudo, poderia ter feito a
ligação com Hb 11:3 (pois quem poderá afirmar que não era essa a passagem que
estava na mente de Irineu?);
d) Irineu
usava a Septuaginta;
e) Agora,
a informação mais “diferente” para mim foi a de que, para Irineu, as Escrituras
originais foram destruídas por Nabucodonosor! Um dia desses descobri
que a Arca da Aliança foi, provavelmente, destruída na invasão de
Nabucodonosor. O que me fez pensar o que, desde Esdras até
o tempo de Jesus, o Sumo-Sacerdote fazia no Santo dos Santos. Se não havia a Arca,
então não havia propiciatório. Ora, se não havia propiciatório, como era feito
o ritual anual de perdão dos pecados? Se não havia Arca, durante mais de 300
anos não havia nada no Santo dos Santos? Como o judeu resolveu isso na cabeça
dele? Construir um Templo com o Santo Lugar e o Santo dos Santos, que era onde
Deus se manifestava sobre a Arca... Mas sem Arca?! Comecei a pensar sobre isso
há alguns meses, contudo, até mesmo amigos judeus não me deram nenhuma resposta
satisfatória. Não fosse isso já intrigante, agora aparece essa nova informação:
para Irineu, os originais da Bíblia foram destruídos também com Nabucodonosor. Para
mim, é uma informação interessantíssima em vários sentidos. Mas o que você
pensa sobre isso? Sobre o Templo sem a Arca e sobre a destruição das Escrituras
originais por Nabucodonosor?
Eu poderia
ainda tratar de vários temas abordados por Irineu, todavia, no próximo post
encerro com a exposição da escatologia dele, pois ela é muito interessante como
testemunho não apenas de sua teologia, mas de como se pensava naquela época.
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