Ortodoxia (****)
G. K. Chesterton
Mundo Cristão
264 Páginas
"Numa época em que a Europa dava os primeiros passos para tornar-se uma sociedade pós-cristã, um intelectual de grosso calibre, cansado do cinismo reinante e do fascínio despertado por novas idéias, resgata o núcleo da fé cristã como arcabouço suficiente para dar sentido à existência humana.
Ao contar sua jornada espiritual, G. K. Chesterton faz saber à intelligentsia européia da primeira metade do século XX que o socialismo, o relativismo, o materialismo e o ceticismo estavam longe de responder às questões existenciais mais profundas. E quando questionado sobre as aparentes contradições da fé cristã, Chesterton era um mestre em valer-se do paradoxo para apresentar a simplicidade do senso comum.
Seu jeito despojado, seu estilo incisivo e a facilidade de rir de si mesmo tornaram célebres seus debates com intelectuais da época, como George Bernard Shaw, H.G. Wells, Bertrand Russell e Clarence Darrow.
Dono de uma pena arguta, sutil e envolvente, Gilbert Keith Chesterton deixou marcas inesquecíveis em mestres da literatura como Hemingway, Borges, García Márquez e T. S. Eliot. Como se não bastasse, seus textos influenciaram decisivamente líderes de movimentos de libertação como Michael Collins (Irlanda), Mahatma Gandhi (Índia) e Martin Luther King (Estados Unidos).
Cem anos depois, Ortodoxia é um clássico da literatura que merece (e deve) ser revisitado".
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Após a leitura, classificarei os livros assim:
Péssimo [0] Ruim [*] Regular [**] Bom [***] Muito Bom [****] Excelente [*****]
5 comentários:
Salta aos olhos, inicialmente, a irreverência e a ironia provocativa de Chesterton. A leitura do livro é divertida, exatamente porque o autor é um gozador, um brincalhão, que parece se divertir com o que faz. Ainda que falando de assuntos sérios, fica-se a congitar se ele não estaria zombando do leitor. De qualquer forma, é igualmente divertido lê-lo, e perceber a sua consciência extremamente lógica (a despeito do descrédito que aparentemente dá à lógica e à razão. De certa forma, ele evoca a necessidade do misticismo, do sonho, da utopia para que o homem não enlouqueça, mas, não é exatamente isso que leva muitos à loucura? Para ele, o racionalismo é doentio, e a lógica, ainda que explique conveniente e razoavelmente quase tudo, invariavelmente tornará a mente lógica em uma mente insana, engessada, e sujeita ao risco de entrar em colapso).
Tudo tem uma leve aparência de despretenciosidade, talvez, por Chesterton não ter "papas na língua", no sentido de não esconder a sua opinião franca, sua crítica incisiva, e uma fraseologia que é o deleite de quem gosta de expressões de efeito, como é o meu caso.
Pode-se não concordar com ele (na questão, por exemplo, da predestinação e determinismo. Chesterton vê as duas coisas como uma só, o que a maioria dos calvinistas não aceita, contudo, não vejo diferença entre elas; ou ao dizer que Willian Cowper, o poeta inglês do sec. XVIII, enlouqueceu por causa da lógica excessiva e do seu calvinismo), mas a genialidade ao abordar os assuntos, toma-nos de imediata simpatia. E sua verve é fluente, nos dá prazer, a sensação de interação, como se participássemos de uma conversa descontraida com um amigo cativante.
A maneira como ele descreve os pormenores do materialismo, inclusive antevendo suas consequências lógicas (novamente, Chesterton parece brincar com aquilo que tem de melhor) reflete a sua capacidade crítica sem abrir mão do humor.
Em tudo e por tudo, tem sido uma experiência agradável a leitura de "Ortodoxia" (cujo título me parece outra pilhéria do autor).
Chesterton é realmente impagável. Uma mente brilhante, ainda que, como frisei anteriormente, não se concorde com ele em todos os pontos. Porém, é impossível não se maravilhar com o seu raciocínio lógico (contudo, falível) e a extrema facilidade em expor suas idéias. Não entendo como Chesterton é desconhecido, e até mesmo relegado hoje em dia. Sua argumentação é incrivelmente atual, e ele revelou conceitos (alguns antevistos) quase cem anos antes de muitos deles serem sequer cogitados. Ao mesmo tempo em que Nietzsche, Darwin, Sartre, Shaw, Russell e assemelhados, são citados pelos "intelectuais" como gênios, e redescobertos ano após ano (exemplificando como a mente humana é prodigiosa em se repetir à exaustão, especialmente quando as soluções dessas mentes voltam-se para a descontrução e o vazio existencial, para a mecanização e padronização do pensamento, para a nulidade da vida, para o prazer ilícito, para a segregação e valia do mais "capacitado", etc), é inadimissível que uma mente do calibre de Chesterton seja reclusa ao limbo (para usar um termo nitidamente católico). É claro que houve e há "cabeças" como a dele, porém, o seu estilo é inconfundível e atraente, e nos transporta para dentro da sua mente.
Apenas como um aperitivo, citarei alguns conceitos do autor, para aqueles que não se dispuseram ainda a lê-lo:
1)"A modéstia se fixou no órgão da convicção, onde ela nunca deveria estar. O homem foi concebido para duvidar de si mesmo, mas não duvidar da verdade, e isso foi exatamente invertido. Hoje em dia a parte humana que o homem afirma é exatamente a parte que não deveria afirmar. A parte de que ele duvida é exatamente a parte de que não deveria duvidar - a razão divina. Huxley pregou um conteúdo de humildade ensinado pela natureza. Mas o novo cético é tão humilde que duvida até de sua capacidade de aprender. Assim, estaríamos errados se precipitadamente disséssemos que não há nenhuma humildade típida de nossa época" (pg 54).
2)"A evolução é um bom exemplo daquela inteligência moderna que destrói a si mesma, se é que destrói alguma coisa. A evolução ou é uma descrição científica inocente de como certas coisas terrenas aconteceram; ou então, se for algo mais que isso, é um ataque contra o próprio pensamento. Se há uma coisa que a evolução destrói, essa coisa não é a religião, mas sim o racionalismo. Se evolução simplesmente significa que algo positivo chamado macaco transformou-se lentamente em algo positivo chamado homem, então ela é inofensiva para o mais ortodoxo, pois um Deus pessoal poderia muito bem criar coisas de modo lento ou rápido, especialmente se, como no caso do Deus cristão, ele estivesse situado fora do tempo.
Mas se evolução significa algo mais que isso, então quer dizer que não existe algo como o macado para mudar, e não existe algo como o homem no qual ele possa se transformar. Significa que não existe uma coisa, que é um fluxo de tudo e qualquer coisa. Isso constitui um ataque não contra a fé, mas contra a mente humana; você não pode pensar se não existem coisas sobre as quais pensar. Você não pode pensar se não está separado do assunto do pensamento. Descartes disse:'Penso; logo, existo'. O filósofo evolucionista inverte e negativiza o epigrama e diz: 'Não existo; portanto, não posso pensar'" (pg 58/59).
Continuando as citações:
1)"Mas o novo rebelde é um cético, e não confia inteiramente em nada. Não tem nenhuma lealdade; portanto, ele nunca poderá ser de verdade um revolucionário. E o fato de que ele duvida de tudo realmente o atrapalha quando quer fazer alguma denúncia. Pois toda denúncia implica alguma espécie de doutrina moral; e o revolucionário moderno duvida não apenas da instituição que denuncia, mas também da doutrina pela qual faz a denúncia... Como político, ele grita que toda guerra é um desperdício de vida; e depois, como filósofo, grita que toda vida é um desperdício de tempo.
Um pessimista russo denunciará um político por matar um camponês; e depois, pelos mais elevados princípios filosóficos, provará que o camponês deveria ter-se suicidado... O adepto dessa escola primeiro participa de uma reunião política, na qual se queixa de que os selvagens são tratados como se fossem animais; depois apanha o chapéu e o guarda-chuva e vai para uma reunião científica, na qual prova que eles são praticamente animais.
Em resumo, o revolucionário moderno, sendo um cético sem limites, está sempre ocupado em minar suas próprias minas. No seu livro sobre política ele ataca os homens por espezinharem a moralidade; no seu livro sobre ética ele ataca a moralidade por espezinhar os homens. Portanto, o homem moderno em estado de revolta tornou-se praticamente inútil para qualquer propósito da revolta. Rebelando-se contra tudo, ele perdeu o direito de rebelar-se contra qualquer coisa específica" (pg 69-71).
2)"A mesma dificuldade moderna que obscureceu o tema de Anatole France também obscureceu o de Renan. Este também separou a compaixão de seu herói da pugnacidade dele. Renan até representou a justa ira contra Jerusalém como um simples colapso nervoso depois das idílicas expectativas do Galileu. Como se houvesse alguma incoerência entre sentir amor pela humanidade e sentir ódio pela desumanidade! Altruístas, de vozes finas e fracas, denunciam a Cristo como egoísta. Egoístas (de vozes ainda mais finas e mais fracas) denunciam-no como altruísta. Em nossa atmosfera atual essas cavilações são bastantes compreensíveis.
O amor de um herói é mais terrível do que o amor de um tirano. O ódio de um herói é mais generoso do que o ódio de um filantropo. Há uma imensa e heróica sanidade da qual os modernos só podem coletar fragmentos. Há um gigante do qual nós só conseguimos ver os braços caídos e as pernas que caminham por aí. Eles rasgaram a alma de Cristo em tiras tolas, rotuladas de egoísmo e altruísmo; e eles estão igualmente intrigados com sua insana magnificência e sua insana mansidão. Eles repartiram entre si os seus vestidos, e sobre sua túnica lançaram sortes; embora a túnica fosse inconsútil de alto a baixo" (pg 74-75).
Para Chesterton a liberdade é tudo. Porém, ele não tipifica a qual tipo de liberdade se refere, nem como ela procede, e em quais níveis se dá. Como seus conceitos e críticas têm como base o livre-arbítrio e, de certa forma, o homem está preso a uma cadeia de fatores que a sua liberdade de aprisionar-se o condiciona, fica faltando peças ao quebra-cabeça do autor.
O conceito de liberdade deve ser definido clara e minuciosamente para que o leitor não divague em um conceito tão amplo e sujeito a tantos equívocos como o livre-arbítrio. Fica-se difícil até emitir uma opinião sobre as posições de Chesterton, porque a liberdade humana é colocada de forma um tanto genérica, como se tudo ao homem fosse possível (entendo que esse seu conceito está preso àquilo que Deus permitiu ao homem escolher, à possibilidade limitada de escolha, o que, por si só, limita o próprio conceito de liberdade humana).
De qualquer forma, mais dos que as idéias (não que elas sejam irrelevantes), o estilo do autor é admirável.
Outro ponto forte é que, contrário até mesmo aos dogmas católicos pelagianos, Chesterton crê na Queda da humanidade em Adão, e na consequente "degeneração" da raça e do planeta por isso (ainda que Deus tenha mantido intactas algumas características). É algo louvável num escritor católico professo.
Ele também pontuou seu texto com uma espécie de doxologia, onde exalta-se poeticamente Deus.
Ortodoxia não é um livro hermético, pode-se penetrar a mente de Chesterton com uma certa facilidade, contudo, ao ser confrontado com suas posições fica-se evidente a vacuidade intelectual dos nossos tempos, ou o oposto, o pedantismo elevado à sua potência máxima.
Por tudo isso, é gratificante ler Ortodoxia, ainda que, como disse anteriormente, Chesterton pareça se divertir com sua própria filosofia, como se não a levasse muito a sério. Isso porém é um engano. Ilude-se quem acredita que ele está para brincadeira. É impossível não assumir posições diante da leitura do livro; é impossível ficar-se indiferente a ele.
Altamente recomendável! Leia Ortodoxia!
Interessante o capítulo VI, onde Chesterton faz apologia ao cristianismo exatamente por ser paradoxal.
Ainda que o seu conceito de cristianismo esteja "contaminado" por dogmas católicos (que nada têm a ver com a Bíblia), seus argumentos são válidos e demonstram a improbabilidade do cristianismo existir sem que fosse uma clara obra divina pessoal; a vontade e a revelação de Deus para o homem. Seria impossível o cristianismo ter origem na mente (ou mentes) humana, tal o grau de complexidade, de unidade, e de aparentes paradoxos (isso ao meu ver. À teologia cristã é possível o paradoxo, contudo, a revelação de Deus, a Escritura, não permite, ao contrário, expulsa qualquer idéia ou conceito paradoxal. Para Chesterton há paradoxos cristãos, no que ele chama de verdade ilógica).
Ele reivindica que o cristianismo não deduz simplesmente verdades lógicas, "mas que quando de repente se torna ilógico, ele encontrou, por assim dizer, uma verdade ilógica. Ele não apenas acerta em relação às coisas, mas também erra (se assim se pode dizer) exatamente onde as coisas saem erradas. Seu plano se adapta às irregularidades ocultas e espera o inesperado. É simples no que se refere à verdade sutil... Meu único objetivo neste capítulo é mostrar isso; mostrar que quando sentimos a existência de algo estranho na teologia cristã, geralmente vamos descobrir que existe algo estranho na verdade" (pg 137).
Grande e revelador capítulo.
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